9.3. Sistema de declaração de bens e interesses
Um sistema eficaz de declaração de bens e interesses pode propiciar integridade, transparência e prestação de contas. Dependendo do formato, os formulários de declaração podem ser usados para identificar, administrar e sancionar um conflito de interesse, determinando, por exemplo, se o interesse particular de um servidor público desabona sua decisão, como também podem ser concebidos para detectar enriquecimento ilícito. As informações podem ser coletadas para os dois propósitos mencionados (de Michele e Dassen, 2018). Além disso, ao tornar públicas as declarações de bens e interesses, o governo demonstra seu compromisso com a transparência e a prestação de contas, submetendo-se ao escrutínio público. Evidências empíricas comparadas demonstraram o efeito positivo que um sistema de declarações pode ter na capacidade de um país de controlar a corrupção (Vargas e Schlutz, 2016).
É necessário verificar a precisão das declarações dos ocupantes de cargos públicos para garantir que estas sejam uma ferramenta útil para detectar conflitos de interesse ou enriquecimento ilícito. Se as declarações não forem verificadas, o sistema provavelmente será percebido apenas como um trâmite sem consequências, o que prejudica a confiança dos cidadãos no compromisso do governo com o sistema de integridade (OCDE, 2017).
Todos os países da ALC, com exceção do Uruguai, cruzam os dados das declarações com outras bases de dados. Os registros de empresas, veículos e imóveis, bem como as declarações de bens anteriores, são os mais utilizados. Seis países também cruzam dados com o registro civil e outros seis com contas bancárias. Outras fontes, como declarações de imposto de renda, bases de dados públicos estrangeiros e dados de unidades de inteligência financeira são menos comuns. A triangulação automática fortalece o processo de verificação, pois possibilita que um número maior de declarações seja examinado. No entanto, apenas a Argentina, o Chile e o Peru realizam algumas verificações automáticas e, entre eles, apenas o Chile o faz com mais de uma base de dados.
Um sistema robusto de declaração de bens e interesses precisa definir quem deve apresentar declarações e que tipo de informações são exigidas, com base em um enfoque que considere os riscos e o objetivo geral. Essa robustez também depende da divulgação pública da maior quantidade de dados possível (exceto os confidenciais, como informações bancárias), de mecanismos eficazes de verificação e sanção e de ferramentas de acompanhamento e orientação para administrar conflitos de interesse (caso seja este o objetivo do sistema), entre outros elementos.
De acordo com os resultados do índice de robustez do sistema de declaração de bens e interesses, os países da América Latina obtêm em média 0,60 de 1 ponto, sendo esta pontuação máxima indicativa de um sistema extremamente robusto. As variações são grandes: Argentina (0,81), México (0,78) e Chile (0,77) apresentam as pontuações mais altas, e Honduras e Paraguai têm 0,42 e 0,43, respectivamente. Nos três primeiros, as declarações são divulgadas publicamente, verificadas quanto a incoerências internas e trianguladas com outras bases de dados. Há também orientações sobre como lidar com situações de conflito de interesse. Contudo, em Honduras, as declarações não são públicas e as informações são apresentadas apenas em papel, o que impossibilita seu processamento e verificação. Da mesma forma, no Paraguai, as declarações não são públicas e são enviadas apenas no começo e no final da ocupação do cargo, o que dificulta a detecção de enriquecimento ilícito ou conflitos de interesse.
Os dados foram coletados por meio do Questionário da OCDE sobre Integridade Pública na América Latina 2018 e dizem respeito a 12 países. Responderam ao questionário principalmente altos funcionários do governo central, instituições superiores de auditoria e comissões eleitorais.
O índice de robustez do sistema de declaração de bens e interesses mede o alcance da regulação dessas declarações. Varia de 0 a 1, sendo 1 o sistema mais forte. A pontuação total é a soma dos cinco componentes ponderados (com base na avaliação de especialistas) a seguir: verificação e execução (37%), alcance (20%), formato do sistema (16%), transparência (15%) e prevenção de conflitos de interesse (12%).
O componente de verificação e execução avalia se as informações constantes nas declarações são verificadas e como isso é feito, bem como a existência de sanções em caso de irregularidade. O alcance considera as categorias de cargos cujos ocupantes devem enviar declarações de bens e interesses, bem como quando e quais informações devem ser divulgadas. O formato do sistema inclui o grau de digitalização, entre outros aspectos. A transparência considera se as declarações são disponibilizadas publicamente e a prevenção de conflitos de interesse considera o empenho em detectar esses conflitos e a maneira como são administrados.
As informações sobre a metodologia podem ser consultadas no Anexo E.
Leitura complementar
De Michele, R. e N. Dassen (2018). “Conflicto de intereses: Desafios y oportunidades para implementar un sistema efectivo de prevención y control”. Discussion Paper n.o IDB-DP-626, https://doi.org/10.18235/0001362.
OCDE (2017). OECD Integrity Review of Mexico: Taking a Stronger Stance Against Corruption. OECD Publishing, Paris, https://dx.doi.org/10.1787/9789264273207-en.
Vargas, G e D. Schlutz (2016). Opening Public Officials’ Coffers: A Quantitative Analysis of the Impact of the Financial Disclosure Regulation on National Corruption Levels. Hertie School of Governance, Berlim.