1. Contexto regulamentar e setorial

Portugal é uma república parlamentar com um parlamento unicameral, um poder executivo chefiado por um primeiro-ministro e um presidente eleito através de eleições diretas (Figura 1.1). O órgão legislativo nacional é a Assembleia da República (Parlamento), com membros eleitos por sufrágio universal. A Assembleia tem responsabilidades sobre questões políticas, legislativas e fiscais.

As duas regiões autónomas dos Açores e da Madeira são arquipélagos situados no Oceano Atlântico, com estatutos políticos e administrativos próprios e instituições próprias autónomas (Eurydice, 2019[1]).

Em 2018, os combustíveis fósseis representaram 75% da oferta total de energia primária em Portugal (TPES, segundo a sua sigla inglesa) (Figura 1.2). O petróleo era a maior fonte de energia, sendo responsável por 40% da TPES. A procura de petróleo provém principalmente dos setores dos transportes e da indústria, bem como do aquecimento de edifícios. O gás natural era a segunda maior fonte de energia, representando 23% da TPES e foi utilizado principalmente para a produção de eletricidade, processos industriais e uma pequena parte para o aquecimento de edifícios. A bioenergia e os resíduos representaram 14% da TPES e apoiaram a produção de eletricidade e o aquecimento de edifícios. O carvão representou 12% da TPES e foi utilizado principalmente para a produção de eletricidade. As pequenas quotas de TPES vieram da hídrica (5% da TPES), da eólica (5%), as quais foram utilizadas para a produção de eletricidade, e da geotérmica (1%) e da solar (1%), as quais foram igualmente utilizadas para a produção de eletricidade e o aquecimento de edifícios. Todos os combustíveis fósseis são importados e a produção energética interna provém principalmente das energias renováveis, principalmente da bioenergia, da energia hidroelétrica e da eólica.

O carvão é utilizado principalmente para a produção de eletricidade. A sua contribuição decrescente para a TPES está ligada a um aumento das fontes de eletricidade mais verdes, como as energias eólica e solar, as quais registaram um aumento significativo de 34% entre 2010 e 2018.

A produção total de eletricidade em Portugal foi de 58,4 TWh em 2018. Entre 2000 e 2018, a produção de eletricidade aumentou cerca de 35%. No entanto, houve variações anuais notáveis na produção total devido à mudança dos níveis de atividade económica e do comércio da eletricidade (Figura 1.3). Desde 2016, o crescimento da produção de eletricidade (especialmente a eólica) transformou Portugal de importador líquido para exportador líquido de eletricidade. Em 2018, o gás natural representou 27% da produção total de eletricidade, seguido da eólica (22%), hídrica (21%), carvão (21%), bioenergia e resíduos (6%), petróleo (2%) e solar (2%).

Desde 2000, a energia hidroelétrica tem sido responsável por 10% a 34% da produção total, com a contribuição a variar significativamente dependendo das condições hidrológicas. A bioenergia e os resíduos têm sido responsáveis por uma parte considerável, e em lento crescimento, da produção durante várias décadas. A quota da produção de energia eólica aumentou significativamente de 12% da produção em 2000 para 22% em 2018, ao ponto de se tornar a segunda maior fonte de eletricidade. A produção a partir de sistemas solares fotovoltaicos, embora ainda pequena, tem vindo a aumentar rapidamente. Devido à grande variação da produção hidroelétrica, a quota global da produção de eletricidade a partir de energias renováveis varia consideravelmente de ano para ano. A quota das energias renováveis atingiu um pico de 62% da produção em 2014 e caiu para 40% em 2017. No entanto, a tendência geral tem sido para um aumento constante da quota de produção das energias renováveis, impulsionada por investimentos na energia eólica e hidroelétrica.

A quota da produção a partir do petróleo diminuiu substancialmente de 9% em 2008 para apenas 2% em 2018. A produção a partir do carvão e gás natural continua a desempenhar um papel importante em Portugal, sendo a quota de cada combustível afetada pelo custo comparativo da eletricidade produzida a partir do carvão versus gás natural e pelo nível de produção hidroelétrica. A produção a partir do gás natural tem sido mais volátil, variando entre os 13% e os 33% da produção entre 2008 e 2018. A produção a partir do carvão tem sido relativamente estável, geralmente entre os 20% e os 25% da produção entre 2008 e 2018, mas com uma queda considerável para os 13% em 2010, devido a um grande aumento da produção hidroelétrica e à estabilização da produção a partir do gás natural. Contudo, prevê-se que a quota da produção a partir do carvão diminua, uma vez que o governo se comprometeu a encerrar as centrais elétricas a carvão antes de 2030, tendo introduzido um imposto sobre a produção de eletricidade a partir do carvão em 2018, o qual será progressivamente aumentado até 2023 (IEEFA, 2020[2]).

Portugal tem tomado medidas para reduzir o impacto ambiental do setor energético nos últimos anos, estabelecendo várias políticas que visam aumentar a utilização das energias renováveis, melhorar a eficiência energética, diminuir a dependência das importações de energia e melhorar a sustentabilidade económica do sistema energético (OECD, n.d.[3]).

Em 2016, o governo português comprometeu-se a uma economia neutra em termos de emissões até ao final de 2050, como contribuição para o Acordo de Paris e em linha com os esforços internacionais em curso. Apresentou o seu “Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050” às Nações Unidas em setembro de 2019 (Portal do Governo, 2020[4]) e o seu “Plano Nacional Energia e Clima (PNEC) 2030” à Comissão Europeia em dezembro de 2019 (Portugal Energia, n.d.[5]). O PNEC 2030 é o principal documento que define a política energética e climática para a década de 2021-2030, em suporte ao Roteiro para a Neutralidade Carbónica.

Em alguns casos, a política energética e climática de Portugal vai além das exigências da UE. Em conformidade com a Diretiva 2012/27/UE (a Diretiva de Eficiência Energética) (Union, 2012[6]), Portugal precisava reduzir o consumo de energia primária em 20% até 2020, em comparação com 2007 (EC, n.d.[7]). Uma meta mais ambiciosa para 2020 com uma redução de 25% foi subsequentemente adotada por Portugal (EC, 2017[8]), mostrando o seu empenho na transição para uma economia mais verde.

Um dos principais objetivos da política energética nacional é reduzir a dependência da importação de energia. Portugal depende muito da importação de energia devido à falta de produção interna de combustíveis fósseis, os quais abrangem a maior parte da procura energética do país. Em 2018, a dependência de Portugal em relação às importações era de 85%, um dos níveis mais elevados entre os países da OCDE (IEA, 2020[9]). No entanto, o crescente nível de produção energética interna proveniente das energias renováveis está a ajudar a reduzir a dependência das importações. Em 2014, a forte produção hidroelétrica e o aumento constante da produção eólica reduziram a dependência da importação de energia a um recorde mínimo de 77%. Entre 2000 e 2008, a dependência média das importações de energia foi de 89%. Graças às energias renováveis, a dependência média das importações entre 2009 e 2018 diminuiu para 83%.

Os mercados portugueses de eletricidade e de gás estão liberalizados e abertos à concorrência. No entanto, as empresas incumbentes anteriormente estatais continuam a ter grandes quotas de mercado. A privatização e separação jurídica da empresa pública Electricidade de Portugal (atualmente EDP S.A.) teve início em 1997. O grupo EDP S.A. tem uma grande presença em Portugal através das suas subsidiárias, tanto no mercado da eletricidade como no do gás. A REN era uma empresa estatal que assumiu a concessão da rede de transporte do mercado da eletricidade na fase de separação em 1997, sendo atualmente uma empresa privada.

Produção e mercado grossista: A EDP é o maior produtor no mercado grossista de eletricidade em Portugal e detinha uma quota de mercado de 43% em 2018, em comparação com 52% em 2009 (Eurostat, 2020[10]). A EDP atua também como participante agregador do mercado para várias centenas de produtores individuais de energia renovável com regime tarifário garantido pela lei nacional, sendo o comercializador de último recurso através de uma empresa subsidiária com marca própria (a SU Eletricidade) que é regulada pela ERSE. A produção baseada no mercado não é regulada pela ERSE. O Mercado Ibérico de Eletricidade (MIBEL) é o mercado integrado de eletricidade entre Portugal e Espanha. O MIBEL tem um operador comum de mercado à vista (OMIE) e um operador de mercado a prazo (OMIP).

Transporte: A REN (Rede Elétrica Nacional), é o operador (ORT) da Rede Nacional de Transporte de Eletricidade. Foi certificada pela ERSE em 2015 como o ORT ao abrigo de um regime de separação total da propriedade. Como ORT, a REN é “responsável pelo planeamento, implementação e operação da rede nacional de transporte, da infraestrutura relacionada, assim como de todas as interligações relevantes e outras infraestruturas necessárias para gerir a rede nacional de transporte” (IEA, 2016[11]).

Distribuição: E-Redes (antigamente, EDP Distribuição1, uma subsidiária da EDP S.A.) é o maior operador português de redes de distribuição (ORD) com mais de 5 milhões de clientes. Além disso, existem mais 10 pequenos operadores de distribuição no continente que servem cerca de 30.000 clientes. A atividade de distribuição em Portugal continental desenvolve-se de acordo com um regime de concessão de serviço público de dois níveis: i) uma única concessão da rede nacional de distribuição em média tensão (MT) e alta tensão (AT) atribuída pelo Estado; e ii) as concessões municipais de baixa tensão (BT) atribuídas pelos 278 municípios do país. As concessões de BT têm um prazo de 20 anos e terminam em momentos diferentes, entre 2016 e 2026. A maioria cessará entre 2021 e 2022. A sua atribuição deve resultar de um concurso público.

Mercados retalhistas: Portugal devia completar o processo de liberalização dos mercados retalhistas da eletricidade e gás natural até ao final de 2015, mas o fim das tarifas reguladas foi alargado2 para novos prazos.3

Em agosto de 2019, o mercado liberalizado representava cerca de 94% do consumo total em Portugal continental. Praticamente todo o consumo dos grandes consumidores está no mercado liberalizado. Para os consumidores domésticos, o consumo do mercado liberalizado representa cerca de 86% do total do segmento. O mercado liberalizado consolidou a sua posição, principalmente devido ao processo de eliminação gradual das tarifas reguladas de venda a clientes finais que, em janeiro de 2013, passaram a abranger todos os clientes, incluindo os clientes domésticos.

No final de 2018, existiam 29 agentes do mercado livre, dos quais 26 serviam clientes residenciais e pequenas empresas. Apesar do crescimento do mercado liberalizado, a concentração global do mercado manteve-se elevada em 2018. O incumbente (Grupo EDP) mantém uma elevada quota de mercado equivalente a mais de 40% da oferta em 2019 (Figura 1.4). A EDP é igualmente o comercializador de último recurso de eletricidade (, no mercado regulado.

Desde 2018, uma nova disposição legislativa permite que os clientes de eletricidade no mercado liberalizado optem pelas tarifas transitórias reguladas de venda a clientes finais, a serem oferecidas pelos comercializadores do mercado liberalizado. Se o comercializador de mercado não participar neste novo regime, os clientes podem optar pelo comercializador de último recurso (CUR). No entanto, este novo regime não teve efeitos substanciais em termos de regresso dos consumidores ao comercializador de último recurso.

Fornecimento de gás e mercado grossista: O mercado português é fornecido através da interligação com Espanha e pelo terminal de gás natural liquefeito (GNL) do Porto de Sines, com base em contratos de gás de longo prazo. Em 2018, aproximadamente 62% do fornecimento de gás natural foi feito pelo terminal de GNL.

Transporte: A REN Gasodutos é a operadora da Rede Nacional de Transporte de Gás Natural. Foi certificada pela ERSE em 2015 como o ORT ao abrigo de um regime de separação total da propriedade. O ORT tem a responsabilidade de preparar a avaliação do sistema nacional de gás natural.4 As atividades no terminal de GNL, nomeadamente receção, regaseificação e armazenagem do gás natural liquefeito, são operadas pela REN Atlântico, subsidiária da REN S.A. Todas estas atividades são realizadas através de contratos de concessão de serviço público adjudicados pelo Estado.

Distribuição: As redes de distribuição de gás são operadas por 11 ORD5 que operam em áreas geográficas exclusivas através de concessões regionais ou locais ou de acordos de licença. Nove destes são propriedade total ou parcial da GALP Energia S.A.

Mercado retalhista: Atualmente, cerca de 97% do consumo de gás natural6 está no mercado liberalizado, representando cerca de 1,2 milhões de clientes. Os consumidores residenciais e as PME têm até finais de 2025 para mudar de comercializador de último recurso, numa tentativa de finalizar a liberalização do mercado.7 No final de 2018, existiam 12 comercializadores, todos a servir clientes com um consumo inferior ou igual a 500 m3/ano. Os maiores comercializadores por número de clientes, em fevereiro de 2020, são: EDP Comercial (52%), GALP (24%), Goldenergy (11%), Endesa (7%), Iberdrola (5%) (Tabela 1.1).

O Mercado Ibérico de Eletricidade (MIBEL) é uma iniciativa entre os governos português e espanhol que visa uma melhor ligação entre os sistemas elétricos dos dois países (Figura 1.5). Tal resulta numa maior capacidade de interligação disponível para fins comerciais (MIBEL, 2020[13]). O Conselho de Reguladores do MIBEL reflete a sua especificidade como mercado de comercialização de energia e inclui reguladores de energia e reguladores financeiros de Portugal e Espanha: A ERSE e a sua congénere espanhola para a energia (a CNMC); a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e a Comisión Nacional del Mercado de Valores (CNMV) para a regulação financeira.

A REN, na sua qualidade de ORT, é responsável pela operação e capacidade técnica da rede, juntamente com a sua congénere espanhola, a Red Eléctrica de España. As redes de transporte dos dois países estão integradas. A capacidade de gestão é aprovada pelo conselho do MIBEL segundo as regras de ação harmonizadas específicas de Portugal e Espanha, de acordo com a legislação europeia,8 sendo qualquer congestionamento gerido através de um mecanismo de separação de mercados.

Os produtores de eletricidade podem negociar através do MIBEL, para além dos contratos bilaterais. O MIBEL está estruturado como um mercado à vista e de derivados, com a gestão prestada pelo Operador do Mercado Ibérico de Energia (OMIE). As ações do OMIE são detidas, em partes iguais, pelos estados português e espanhol, com as responsabilidades divididas entre os mercados de derivados e o mercado à vista, respetivamente (Europex, 2020[14]). O mercado de derivados opera diariamente, oferecendo serviços de negociação contínua para vários produtos derivados9 e registando operações bilaterais.10 No mercado à vista, os participantes executam transações no mercado diário e intradiário, criado através da separação de mercados nos lados português e espanhol do MIBEL (CNMC, 2019[15]).

O objetivo a nível da UE para o nível de interligação elétrica é de 10% até 2020 e 15% até 2030 (IEA, 2016[11]). Esta mostra uma tendência favorável, atingindo 89% da meta de 10% em 2018. A interligação tem um papel importante na integração energética e no reforço da segurança de abastecimento. Constitui também uma oportunidade de integrar o excedente de produção das energias renováveis no mercado europeu, maximizando assim o potencial português de produção de eletricidade com base nas energias renováveis (EC Expert Group, n.d.[16]).

Durante a 2.ª cimeira “Energy Interconnection Summit”, foi assinada a Declaração de Lisboa entre Portugal, Espanha, França e a Comissão Europeia (EC, 2018[17]). A declaração visa reforçar a cooperação regional no âmbito da “União Energética” e integrar melhor a Península Ibérica no mercado energético da UE.

Para o gás natural, existe uma interligação limitada na Península Ibérica, devido a infraestruturas mais limitadas.

A ERSE é o regulador do mercado de combustíveis a jusante, o qual inclui os combustíveis derivados do petróleo, os gases de petróleo liquefeito e os biocombustíveis (Figura 1.6). O fornecimento a jusante é dominado pela GALP Energia, o único operador capaz de refinar petróleo bruto e que está verticalmente integrado e diretamente envolvido nos níveis grossista e retalhista do mercado. Outros operadores (BP Portugal, Repsol, Cepsa e Prio) estão presentes nos setores do aprovisionamento, logística e retalho.

As regiões autónomas dos Açores e da Madeira são responsáveis pela sua própria política energética. A Direção Regional da Energia dos Açores e a Direção Regional de Economia e Transportes Terrestres da Madeira são responsáveis pela adoção da legislação europeia e nacional a nível regional, assim como pela emissão de regulamentação própria que tenha em conta as especificidades de cada região, de forma a que o sistema energético seja seguro, acessível e sustentável, mesmo nas ilhas mais remotas do arquipélago. São também responsáveis pelo licenciamento de todas as instalações relacionadas com a energia, tais como as das companhias locais de eletricidade, as estações de serviço ou as redes de gás (Governo dos Açores, 2020[18]) (Região Autónoma da Madeira, 2020[19]).

O setor da energia nas regiões autónomas não está liberalizado. As duas empresas públicas de energia – a Electricidade dos Açores (EDA) nos Açores (EDA, n.d.[20]) e a Eletricidade da Madeira (EEM) na Madeira (EEM, n.d.[21]) – são organizações verticalmente integradas, responsáveis pela produção, aquisição, transporte e distribuição de eletricidade em todas as ilhas de cada arquipélago. Não há fornecimento de gás natural aos consumidores finais das ilhas. Estão sujeitas tanto à regulação da ERSE como das autoridades regionais.

A ERSE estabelece tarifas para as atividades reguladas de eletricidade e gás natural, tarifas de acesso às redes e tarifas reguladas de venda a clientes finais.

As tarifas de venda a clientes finais de eletricidade e gás natural em Portugal são compostas por três componentes: custos de acesso às redes, custos de energia e de comercialização e impostos:

  • os custos de acesso às redes incluem a taxa fixada pela ERSE e uma segunda componente fixada pelo governo para financiar políticas energéticas mais amplas (tais como subsidiações cruzadas para as regiões autónomas, subsídios para as famílias com baixos rendimentos, tarifas de aquisição para as energias renováveis, etc.);

  • a componente de energia e comercialização é regulada pela ERSE para as tarifas transitórias reguladas de venda a clientes finais e é estabelecida livremente para os comercializadores do mercado; e

  • os impostos são fixados pelo Parlamento.

As tarifas são fixadas anualmente dentro de um período regulamentar que dura três anos para a eletricidade e quatro anos para o gás natural. A ERSE tem a responsabilidade de aprovar as tarifas, tanto de eletricidade como de gás e de publicar e supervisionar o cumprimento dos Regulamentos Tarifários. Os regulamentos estabelecem a metodologia utilizada para o cálculo dos proveitos permitidos e das tarifas, sendo precedida de uma consulta pública.

Como consequência da crise da COVID-19 e com o objetivo de proporcionar estabilidade e continuidade ao setor elétrico, a ERSE prorrogou o atual período regulamentar de 2018-2020 para o setor elétrico até 31 de dezembro de 2021.11 A decisão da ERSE destaca que a atual crise sanitária “implica uma tal dimensão de imprevisibilidade que, nesta fase, não permite que a definição consistente de novos objetivos e metodologias regulamentares produza efeitos num horizonte de três anos, ou seja, num novo período regulamentar” (ERSE, 2020[22]).

Os défices tarifários representam quedas nas receitas do sistema de eletricidade ou gás e resultam quando as tarifas para o preço comercial da eletricidade ou do gás não cobrem os custos de produção (ou distribuição) de eletricidade ou gás aos consumidores finais. Os défices tarifários representam uma divergência entre a tarifa integral de eletricidade (que deve cobrir a energia, a rede, os impostos, as taxas, mais outros custos) e a soma dos custos correspondentes, incorridos pelos serviços de energia (IEA, 2016[11]). A ERSE monitoriza a evolução do défice tarifário elétrico e o seu impacto na sustentabilidade económica do sistema elétrico.

A dívida tarifária de Portugal está a diminuir, mas continua a ser uma preocupação. (Figura 1.7). Em 2015, Portugal apresentava um dos défices tarifários mais elevados entre os países da UE. Este facto surgiu na sequência da última crise financeira e, na altura, foi estimado em 5 mil milhões de euros, ou aproximadamente 3,1% do PIB (IEA, 2016[11]).

A legislação da União Europeia enquadra a política energética de Portugal (Caixa 1.1). As políticas da UE no setor da energia visam alcançar um mercado energético coeso e integrado, sustentado pela concorrência na produção, fornecimento e distribuição de energia. Este quadro político é apoiado por uma série de peças legislativas, sendo a principal delas o pacote “Energia Limpa para todos os Europeus”, introduzido em 2019 e que procura promover a transição energética, transmitir confiança aos consumidores e agentes do mercado e estabelecer regras regulamentares claras (ERSE, 2020[23]). Este pacote legislativo segue-se ao “Terceiro Pacote da Energia”, introduzido em 2009 e que se debruçou sobre questões relacionadas com a separação de propriedade,12 independência dos reguladores e cooperação transfronteiriça (EC, 2019[24]).

A UE estabeleceu objetivos vinculativos em matéria de energia e clima para os países membros para aumentar a quota das energias renováveis para 32% e reduzir as emissões de GEE em 40% até 2030 (EC, 2020[25]). Os países devem apresentar um Plano Nacional de Energia e Clima (PNEC) com um prazo de 10 anos. O PNEC de Portugal inclui uma meta para as energias renováveis de 47% do consumo final bruto nacional até 2030 (EC, 2018[26]).

A nível nacional, o Decreto-Lei n.º 29/2006 de 15 de fevereiro constitui a lei fundamental da eletricidade do país, estabelecendo as bases gerais para a organização e funcionamento do sistema elétrico nacional. Este é complementado pelo Decreto-Lei n.º 172/2006 sobre a regulamentação aplicada às atividades de produção, transporte e distribuição e comercialização de eletricidade, a organização dos respetivos mercados e os procedimentos aplicáveis ao acesso a essas atividades.

Os contratos de transporte e distribuição são adjudicados às concessionárias, enquanto as atividades de produção e fornecimento são liberalizadas. Para evitar a integração vertical, as atividades de produção, distribuição e fornecimento são separadas e aplica-se a separação legal (exceto para os distribuidores que fornecem menos de 100 000 clientes).

Sobre a mobilidade elétrica, foram publicados, nos últimos anos, vários pacotes legislativos que agora definem o quadro jurídico do setor. A Diretiva Europeia 2014/94/UE criou o quadro para a criação de uma infraestrutura na UE para que a dependência do petróleo e do gás seja minimizada e também para que o impacto ambiental dos transportes seja reduzido. O Decreto-Lei n.º 90/2014 estabeleceu o regime jurídico da mobilidade elétrica, bem como as regras para a criação de uma rede piloto de mobilidade elétrica. Este foi complementado pelo Regulamento ERSE n.º 879/2015, que abrangeu as regras para o exercício das atividades relacionadas com a mobilidade elétrica, e pela Portaria n.º 231/2016 (ERSE, n.d.[27]).

A expansão das leis e regulamentos estava em sintonia com os desenvolvimentos práticos do setor, o qual assistiu a um crescimento contínuo da fase não-comercial da rede de mobilidade elétrica. A partir de abril de 2019, os pontos de carregamento públicos são integrados na rede de mobilidade elétrica e os custos desse carregamento são cobrados ao utilizador.

O Decreto-Lei n.º 30/2006 de 15 de fevereiro é a lei fundamental do gás. A ERSE mantém a responsabilidade de definir o quadro regulamentar sobre o acesso à infraestrutura de gás natural, incluindo a rede de transporte, a rede de distribuição, o armazenamento subterrâneo e as instalações de GNL. Tal é feito através de regras desenvolvidas e aplicadas pela ERSE: Regulamento sobre o acesso às infraestruturas e interligações da rede de gás natural (ERSE, 2019[28]). Além disso, o acesso de terceiros à infraestrutura de gás é oferecido com base no acesso regulamentado. A ERSE estabelece as tarifas reguladas que lhes são aplicáveis e define a metodologia para calcular as tarifas no Regulamento Tarifário.

No setor petrolífero, o principal documento orientativo diz respeito às questões de segurança do fornecimento, o chamado “Plano de Intervenção e Utilização das Reservas de Segurança” (PIURS), o qual foi emitido pela ENSE em março de 2019 (ENSE, 2019[29]). Além disso, foi dada ênfase à transposição da Diretiva de Implementação da Comissão Europeia (UE) 2018/1581 de 19 de outubro de 2018 que altera a Diretiva 2009/119/CE do Conselho no que diz respeita aos métodos de cálculo das obrigações de armazenagem e que foi transposta para a legislação nacional através do Decreto-Lei n.º 105/2019 de 9 de agosto. Além disso, o Decreto-Lei n.º 69/2018, de 27 de agosto, designou a ENSE como entidade central de armazenagem em relação aos stocks de petróleo e produtos petrolíferos, e acrescentou uma série de responsabilidades em termos de supervisão e monitorização do setor energético.

Referências

[15] CNMC (2019), Comparative Study of MIBEL Prices (Spot and Forward) with other European Markets and their Relationship with the Internal Energy Market, https://www.cnmc.es/sites/default/files/editor_contenidos/Energia/Mibel/190703%20Resumen%20Ejecutivo%20Estudio%20Precios_EN_PUB.pdf.

[25] EC (2020), Energy policy: general principles, European Commission, https://www.europarl.europa.eu/factsheets/en/sheet/68/energy-policy-general-principles (acedido a 4 de dezembro de 2020).

[24] EC (2019), Third energy package, European Commission, https://ec.europa.eu/energy/topics/markets-and-consumers/market-legislation/third-energy-package_en (acedido a 4 de dezembro de 2020).

[17] EC (2018), Second energy interconnection summit: Lisbon declaration is signed, European Commission, https://ec.europa.eu/info/news/second-energy-interconnection-summit-lisbon-declaration-signed-2018-jul-27_en (acedido a 4 de dezembro de 2020).

[26] EC (2018), Sumário da Avaliação da Comissão à Proposta de Nacional de Plano de Energia e Clima 2021-2030, European Commission, https://ec.europa.eu/energy/sites/ener/files/documents/necp_factsheet_pt_final.pdf.

[8] EC (2017), Energy Union Factsheet Portugal, European Commission, https://ec.europa.eu/commission/sites/beta-political/files/energy-union-factsheet-portugal_en.pdf.

[7] EC (n.d.), Modelling tools for EU analysis, European Commission, https://ec.europa.eu/clima/policies/strategies/analysis/models_en#PRIMES (acedido a 4 de dezembro de 2020).

[16] EC Expert Group (n.d.), Electricity interconnections with neighbouring countries, https://www.consilium.europa.eu/uedocs/cms_data/docs/pressdata/en/ec/145397.pdf.

[20] EDA (n.d.), Eletricidade dos Açores, https://www.eda.pt/ (acedido a 4 de dezembro de 2020).

[21] EEM (n.d.), Empresa de Eletricidade da Madeira, https://www.eem.pt/pt/inicio/ (acedido a 4 de dezembro de 2020).

[29] ENSE (2019), Documentação, https://www.ense-epe.pt/reservaspetroliferas/documentacao/ (acedido a 4 de dezembro de 2020).

[23] ERSE (2020), Annual Report on the Electricity and Natural Gas Markets in 2019: Portugal, https://www.erse.pt/media/4nopbgnn/relat%C3%B3rio-ce-2019_en.pdf (acedido a 2 de dezembro de 2020).

[22] ERSE (2020), Regulamento Nº 6/2020: Aditamento ao Regulamento Tarifário do setor elétrico, https://www.erse.pt/media/wenf52kc/regulamento-erse-6-2020.pdf (acedido a 2 de dezembro de 2020).

[12] ERSE (2020), Relatório Anual sobre os Mercados de Eletricidade e Gás Natural em 2019, https://www.erse.pt/media/en0plsfa/relat%C3%B3rio_ce-2019.pdf.

[28] ERSE (2019), Regulamento de Acesso às Redes, às Infraestruturas e às Interligações, https://www.erse.pt/ebooks/regulamentos-manuais-guias/gas-natural/regulamento-acesso-as-redes-rarii-gn-abril-2019/ (acedido a 3 de dezembro de 2020).

[27] ERSE (n.d.), Gestão da mobilidade elétrica, https://www.erse.pt/atividade/regulamentos-mobilidade-eletrica/gestao-da-mobilidade-eletrica/ (acedido a 3 de dezembro de 2020).

[14] Europex (2020), OMIE: Operador do Mercado Ibérico de Energia, https://www.europex.org/members/omie/ (acedido a 3 de dezembro de 2020).

[10] Eurostat (2020), Market share of the largest generator in the electricity market: annual data, https://appsso.eurostat.ec.europa.eu/nui/show.do?dataset=nrg_ind_331a&lang=en (acedido a 3 de dezembro de 2020).

[1] Eurydice (2019), Principais Órgãos Executivos e Legislativos, https://eacea.ec.europa.eu/national-policies/eurydice/content/main-executive-and-legislative-bodies-60_pt-pt (acedido a 4 de dezembro de 2020).

[18] Governo dos Açores (2020), Portal, https://portal.azores.gov.pt/ (acedido a 4 de dezembro de 2020).

[9] IEA (2020), IEA World Energy Statistics and Balances, https://www.iea.org/data-and-statistics?country=WORLD&fuel=Energy%20supply&indicator=TPESbySource.

[11] IEA (2016), Energy Policies of IEA Countries: Portugal 2016, Energy Policies of IEA Countries, OECD Publishing, Paris, https://dx.doi.org/10.1787/9789264243637-en.

[2] IEEFA (2020), Portugal to replace last coal plants in 2023 with hydro power complex, https://ieefa.org/portugal-to-replace-last-coal-plants-in-2023-with-hydro-power-complex/ (acedido a 4 de dezembro de 2020).

[13] MIBEL (2020), Mercado Ibérico de Eletricidade, https://www.mibel.com/en/home_en/.

[3] OECD (n.d.), OECD environmental indicators: country profile - Portugal, https://www.oecd.org/site/envind/portugal.htm (acedido a 4 de dezembro de 2020).

[4] Portal do Governo (2020), XXII Governo, Portal, https://www.portugal.gov.pt/pt/gc22 (acedido a 4 de dezembro de 2020).

[5] Portugal Energia (n.d.), Portal, https://www.portugalenergia.pt/ (acedido a 4 de dezembro de 2020).

[19] Região Autónoma da Madeira (2020), Governo Regional da Madeira, https://www.madeira.gov.pt/ (acedido a 4 de dezembro de 2020).

[6] Union, E. (2012), Directive 2012/27/EU of the European Parliament and of the Council on energy efficiency, European Commission, https://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:L:2012:315:0001:0056:en:PDF.

Notas

← 1. A EDP Distribuição alterou a sua designação comercial para E-Redes, a 29 de janeiro de 2021.

← 2. Portaria n.º 83/2020 de 1 de abril. https://dre.pt/web/guest/pesquisa/-/search/130954976/details/normal?l=1 (consultada no dia 17 de setembro de 2020).

← 3. Os novos prazos em relação ao processo de liberalização são os seguintes:

  • para eletricidade de média tensão e baixa tensão especial, os novos prazos são 31 de dezembro de 2021 e 31 de dezembro de 2022, respetivamente.

  • para o gás natural, o prazo para os consumidores de baixa pressão com consumo superior a 10.000 m3 é 31 de dezembro de 2022.

  • para a eletricidade de baixa tensão normal e gás natural de baixa pressão (ou seja, consumidores domésticos), o prazo é 31 de dezembro de 2020 e 31 de dezembro de 2025, respetivamente.

← 4. Em conformidade com os objetivos e requisitos de transparência do Regulamento (CE) n.º 715/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho de 13 de julho.

← 5. ORD que operam ao abrigo de concessões regionais: Beiragás, Lisboagás, Lusitaniagás, REN Portgás, Setgás, Tagusgás. ORD que operam através de licenças locais de distribuição de gás natural: Dianagás, Duriensegás, Medigás, Paxgás e Sonorgás.

← 6. Este valor não inclui as centrais de ciclo combinado (CCGT, segundo a sigla inglesa) como clientes.

← 7. De acordo com a Portaria n.º 83/2020 da ERSE.

← 8. Regulamento (UE) 2016/1719 da Comissão de 26 de setembro de 2016.

← 9. Inclui: futuros, contratos forward, swaps e opções sobre a carga base, a carga de ponta e perfis solares, com entrega física ou financeira.

← 10. Contratos “ao balcão” (“over-the-counter”, OTC)

← 11. Regulamento n.º 6/2020.

← 12. As Diretivas europeias prevêem um afastamento da integração vertical das empresas energéticas e propõem, em vez disso, uma separação total das estruturas e funções. A isto dá-se o nome de “separação da propriedade”, ou seja, a operação e propriedade independente de cada um dos sistemas de energia: produção, transporte, distribuição e fornecimento. Por outro lado, vários operadores optaram pela separação jurídica. Esta permite a estruturação das atividades sob diferentes entidades jurídicas, com mecanismos de decisão independentes. No entanto, estas entidades podem ser detidas pelo mesmo grupo.

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