Sumário executivo

No Brasil, a criação e a implementação do SUS é considerada uma história de sucesso para a extensão da cobertura de saúde a grupos populacionais desfavorecidos que antes não tinham acesso a tais serviços. Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, que deu origem ao atual Sistema Único de Saúde (SUS), praticamente toda a população é atendida formalmente pelo setor público de saúde, com benefícios e proteção financeira igualitários. A reorganização e o fortalecimento da atenção primária à saúde tem sido um componente fundamental desse sucesso. A Estratégia Saúde da Família (ESF), um dos maiores programas de atenção primária à saúde para comunidades do mundo, aumentou com sucesso a cobertura populacional, melhorou os principais resultados de saúde e reduziu as desigualdades na saúde. As taxas de mortalidade infantil diminuíram 60% nas últimas duas décadas, de 30,3 mortes por 1.000 nascidos vivos em 2000 para 12,4 mortes por 1.000 nascidos vivos em 2019. A expectativa de vida ao nascer também aumentou 5,7 anos, de 70,2 anos em 2000 para 75,9 anos em 2019. A taxa de mortalidade materna também teve uma diminuição de 13 pontos percentuais no mesmo período.

No entanto, a mobilização de financiamento suficiente para a garantia de cobertura universal de saúde do SUS tem sido um desafio constante, e as ineficiências persistentes no uso dos recursos do sistema de saúde brasileiro não ajudam. Embora o Brasil gaste muito com saúde (9,6% do PIB em 2019 – mais do que a média da OCDE de 8,8%), 60% desse gasto é privado, por meio de plano de saúde privado voluntário ou pagamentos diretos pelas famílias, deixando o Sistema Único de Saúde subfinanciado. Em 2019, 25% das despesas com saúde foram financiados por desembolsos diretos das famílias (acima da média da OCDE de 20%), enquanto apenas 9% de todos os gastos no varejo farmacêutico foram financiados por dispositivos públicos no Brasil (em comparação com 58% em todos os países da OCDE). Isso sinaliza, até certo ponto, uma falha dos acordos atuais para fornecer uma cobertura de saúde eficaz.

Ao mesmo tempo, o Brasil passa por uma profunda transição demográfica e epidemiológica. Em 2050, prevê-se que 21,9% de sua população terá 65 anos ou mais, em comparação com 8,9% em 2017. O crescimento das condições crônicas também será exacerbado pelo aumento das taxas de obesidade, inatividade física de adultos e crianças e outros estilos de vida pouco saudáveis que já estão disseminados no país. Projeções recentes sugerem que as despesas com saúde no Brasil aumentarão para 12,5% do produto interno bruto até 2040 (em comparação com 9,6% em 2019). Para enfrentar as pressões de gastos cada vez maiores e garantir que as necessidades futuras de saúde sejam atendidas, a eficiência e a sustentabilidade dos gastos, além da qualidade do serviço em todas as áreas do sistema de saúde, devem melhorar urgentemente. Nesse contexto, o presente Estudo identifica oportunidades para o Brasil fortalecer o desempenho do sistema de saúde, principalmente através de uma melhora na eficiência e sustentabilidade do financiamento, a atualização de sua infraestrutura de dados de saúde a fim de otimizar uma transformação digital e a abordagem dos principais fatores de risco da população, como sobrepeso e consumo prejudicial de álcool.

Para enfrentar os desafios de saúde do Brasil de modo eficiente e sustentável, existem algumas possibilidades de disponibilizar mais gastos públicos à saúde sem comprometer o caminho para a recuperação fiscal. Dado o atual clima econômico no Brasil, novas fontes de despesas com saúde no nível federal poderiam ser geradas pela realocação de gastos de outras áreas de fora da saúde para o SUS. O ajuste das regras de indexação de alguns programas sociais e salários públicos ou a redução da dedutibilidade tributária das despesas com saúde privada e o reinvestimento dessas economias no SUS são estratégias que não devem ser subestimadas para disponibilizar mais gastos públicos. Também existe um grande potencial para ganhos de eficiência em todo o sistema de saúde. É necessário continuar com os esforços contínuos para modernizar a atenção primária à saúde, principalmente para garantir a maior coordenação do atendimento em seus diferentes níveis. Esse tópico é abordado com mais detalhes na publicação Estudo da OCDE da Atenção Primária à Saúde no Brasil. O planejamento da prestação de serviços em hospitais brasileiros também deve ser repensado, com a readequação de pequenos hospitais em unidades de cuidados intermediários e a implementação de um melhor sistema de pagamento para incentivar o desempenho hospitalar. Ao mesmo tempo, a mudança dos processos de aquisição de produtos farmacêuticos, e a revisão das políticas de regulação de preços e de substituição de produtos são ações essenciais para melhorar o acesso a medicamentos essenciais. Por fim, o Brasil deve começar a investir em planos mais formais de cuidados de longo prazo imediatamente.

Para gerar ganhos de eficiência, o Brasil precisa de uma forte infraestrutura de informações de saúde e uso eficaz desses dados. O país já coleta uma grande quantidade de dados digitais de saúde, mas ele fica atrás dos países da OCDE no que tange à disponibilidade de dados, relatórios, governança e integração. Em especial, são necessários mais esforços para identificar pacientes de maneira exclusiva e acompanhá-los no sistema de saúde. Dada a estrutura política do Brasil como uma república federativa, um componente essencial do funcionamento eficiente da governança de dados e responsabilização é a integração e coordenação nos níveis da União, dos estados e municípios. Ao mesmo tempo, a capacitação por meio do acesso à infraestrutura essencial, ao treinamento, incentivos econômicos e uma maior padronização dos dados serão vitais para aprimorar os procedimentos e a confiabilidade da coleta de informações. Isso virá acompanhando da tomada de decisão baseada em evidências e de pesquisas de saúde impactantes no Brasil. A infraestrutura de informação em saúde também poderia ser aprimorada por uma participação mais plena nas iniciativas internacionais de benchmarking, como o Sistema de Contas de Saúde da OCDE ou Indicadores de Qualidade de Assistência à Saúde, e a adesão à Recomendação do Conselho da OCDE sobre Governança de Dados de Saúde.

Em 2016, mais da metade dos brasileiros (56%) tiveram sobrepeso, um desafio cada vez maior para a saúde pública no Brasil. Essa população possui hábitos de consumo alimentar menos saudáveis do que os países da OCDE, principalmente em relação ao consumo de açúcar. Ao mesmo tempo, a prevalência de atividade física insuficiente no Brasil cresceu 15% entre 2001 e 2016. Embora o Brasil tenha começado a abordar a questão do sobrepeso em uma série de políticas e programas, o país poderia almejar uma resposta abrangente multissetorial mais ambiciosa. Em primeiro lugar, o país deve buscar uma melhor influência nos estilos de vida por meio da informação e da educação, introduzindo rótulos nos menus em restaurantes, campanhas estruturadas em mídia de massa, aplicativos de celular bem regulamentados e promovendo a prescrição de atividades físicas pelas equipes de saúde da família. Em segundo lugar, o Brasil deve buscar mais ativamente a reformulação alimentar e desenvolver políticas de local de trabalho e de transporte para fornecer novas alternativas mais saudáveis para as pessoas. Isso ajudaria a criar um pacote de políticas abrangente para lidar com o sobrepeso e seus fatores determinantes. Por fim, a resposta brasileira precisa melhorar a regulamentação da publicidade de alimentos e bebidas, principalmente para crianças.

No que diz respeito ao uso de álcool, existem sinais preocupantes de que o consumo tenha aumentado em todos os grupos populacionais nos últimos anos, especialmente o consumo excessivo de álcool entre adultos, tendo esse quase triplicado em seis anos, de 5,9% em 2013 para 17,1% em 2019. Para reduzir o consumo nocivo de álcool, com efeitos prejudiciais na saúde da população e na economia, o Brasil tem adotado importantes estratégias nacionais com enfoque intersetorial. Mas o país pode e deve fazer mais implementando um pacote mais abrangente de políticas para o álcool. Tais esforços poderiam incluir iniciativas em torno das políticas de preços (como a introdução de um preço mínimo por unidade direcionado às bebidas alcoólicas baratas), expandir as políticas existentes de condução sob o efeito do álcool e conduzir campanhas midiáticas em massa sobre dirigir alcoolizado. A orientação e o monitoramento de rastreio e intervenções breves na atenção primária à saúde para consumidores de bebida alcoólica também serão vitais para identificar alcoólatras em um estágio inicial e abordar a questão. Por fim, a estratégia educacional precisa ser fortalecida para desencorajar a iniciação e os comportamentos de consumo de álcool entre crianças em idade escolar. Mais limites para a publicidade (especificamente para crianças e adolescentes) e a regulamentação do patrocínio de marcas de bebidas em esportes são opções de políticas públicas a serem consideradas para alterar a aceitabilidade social do consumo prejudicial de álcool.

Em todas essas áreas, há uma margem para aprimorar os processos de gestão e planejamento do SUS entre os diferentes níveis de governo, com maior coordenação e maior foco no planejamento regionalizado. Para que isso seja bem-sucedido, o escopo das “regiões de saúde” poderia ser ampliado com a delegação de algumas responsabilidades dos municípios a elas, acompanhadas de financiamento e recursos adequados. Embora o planejamento regionalizado tenha todo o potencial para aumentar a eficiência da gestão e do planejamento do SUS, é necessária uma reflexão séria para garantir mais recursos para o Sistema Único de Saúde. O Brasil precisará de ambição suficiente para priorizar a eficiência e a sustentabilidade, garantindo ao mesmo tempo uma cobertura de saúde equitativa e eficaz. Isso é fundamental em um contexto de um período de recuperação pós-COVID 19, caracterizado por desigualdades econômicas e de saúde cada vez maiores.

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