2. Planejamento estratégico e priorização no Brasil

Este capítulo apresenta uma visão geral de como os legisladores do CdG no Brasil podem desenvolver estruturas institucionais mais sólidas, ferramentas de gerenciamento e mecanismos para o planejamento estratégico e priorização. No contexto desta revisão, o planejamento estratégico pode ser amplamente definido como um “esforço deliberativo, disciplinado para produzir decisões e ações fundamentais que moldam e orientam o que uma organização (ou outra entidade) é o que faz, e o porquê” (Bryson, 2011[1]). Para ser considerado estratégico, o planejamento deve ser ancorado na prática mais ampla de administração estratégica, ligando o planejamento à implementação e resultados (Bryson, Hamilton Edwards and Van Slyke, 2018[2]). Para esse efeito, os governos devem priorizar reformas, fazer escolhas entre uma infinidade de iniciativas, que poderiam promover suas metas finais, mas que não podem ser buscados imediatamente devido à limitação de recursos financeiros, capital político ou tempo. O processo de priorização poderia ainda ser entendido como uma maneira estruturada de avaliar o mérito relativo das propostas de reforma e, como tal, requer que o CdG atribua critérios explícitos ao que deveria ser avaliado, e arbitre entre ministérios em exercício e instituições ao decidir incluir ou deixar algo de fora da pauta.

Os governos são eleitos com base em um programa eleitoral que reflete uma visão estratégica específica para o futuro do país (OECD, 2018[3]). Em um ambiente caracterizado pelo aumento de complexidade e natureza transversal da produção de políticas, o CdG está unicamente situado para liderar respostas de políticas integradas e traduzir manifestos eleitorais em planos nacionais que informem prioridades políticas e programas de trabalho. Como tal, na última década, o CdG tem desempenhado cada vez mais um papel estratégico e voltado para o futuro, incluindo por seu posicionamento à frente do planejamento estratégico de todo o governo (OECD, 2018[3]).

Apesar dessas predisposições, a Pesquisa sobre Organizações e Funções do Centro de Governo de 2017 (2017[4]) considerou que o planejamento estratégico era considerado apenas uma responsabilidade-chave do CdG em 56% dos países avaliados, com menos da metade indicando como uma das quatro principais prioridades do CdG (OECD, 2018[3]). Ainda, o papel desempenhado pelo CdG em planejamento estratégico e priorização não é monolítico: na maioria dos casos (68%), o CdG desempenha um papel mais de coordenação e supervisão que um papel de identificação e definição de prioridades (54%). Em muitos casos (38%), isso significa garantir ou autorizar que os ministérios em exercício desenvolvam planos em longo prazo (Figura 2.1) (OECD, 2018[3]).

Nos últimos anos, e em particular no contexto da pandemia de COVID-19, os CdGs, contudo, expandiram suas responsabilidades no geral e em termos de planejamento estratégico em particular. Dos 76% dos países cujos CdGs são responsáveis pelo planejamento estratégico de todo o governo para suportar a recuperação, as três responsabilidades mais comuns foram as seguintes:

  • Identificar prioridades para recuperação.

  • Elaborar uma lista restrita das políticas prioritárias e programas a serem implementados.

  • Coordenar a implementação de planos de recuperação.

A pesquisa existente tende a indicar um relacionamento positivo e consistente entre o planejamento, estratégia e desempenho, apesar de os estudos variarem acerca de sua magnitude (Andrews et al., 2012[5]; Walker and Andrews, 2015[6]; Elbanna, Andrews and Polannen, 2016[7]). Além das ligações entre planejamento e resultados, o planejamento estratégico parece apresentar benefícios adicionais às administrações públicas, em particular, com a melhoria da comunicação, participação das partes interessadas e uma administração mais responsiva (Bryson, Hamilton Edwards and Van Slyke, 2018[2]). O planejamento estratégico também permite a priorização e sequenciamento de decisões e sua implementação, assim como avaliação do desempenho do plano face aos resultados projetados. Sem uma estrutura clara de priorização, os governos poderiam apenas suceder a consecução de algumas poucas metas, ou uma grande meta à custa de outros e, como tal, não atingiriam seu plano estratégico global ou o manifesto eleitoral.

Apesar de alguns claros pontos fortes, o CdG do Brasil enfrenta desafios ligados à fragmentação1 de seus atuais sistemas de planejamento. O cenário político-institucional brasileiro apresenta certas particularidades, tais como presidencialismo de coalizão, federalismo e mecanismos participativos para a produção de políticas, que tendem a criar um risco de fragmentação (Cavalcante and Gomide, 2016[8]). O CdG no Brasil (definido no Capítulo 1) ainda enfrenta desafios estruturais ao planejar uma visão para o país, selecionando prioridades e ligando-as à implementação e desempenho. A arquitetura de planejamento do Brasil está de alguma maneira fragmentada em nível institucional (vide ainda Capítulo 1): a responsabilidade por resolver problemas, selecionar prioridades, desenvolver planos e monitorar sua implementação é distribuída entre seis órgãos que, em si, muitas vezes, possuem diversas unidades envolvidas. Essa fragmentação é refletida nos planos em si, pois o alinhamento entre planos gerais e setoriais e planos estaduais poderia ser aperfeiçoado. Por fim, os atuais acordos institucionais, mecanismos e ferramentas de planejamento parecem, em larga extensão, ser orientados a dados e processos em vez de resultados e desfechos. Selecionar poucas prioridades com mais clareza, compartilhadas pelo governo e sustentadas por uma estrutura de gestão de desempenho, engajamento de partes interessadas com propósitos e melhores ligações com o sistema orçamentário, contribuiriam muito no alinhamento de planos e objetivos com os resultados. Por fim, melhorar a governança de provas durante o processo de planejamento e priorização, especialmente durante a fase de análise dos problemas, tem o potencial de promover uma implementação de maior sucesso das intervenções governamentais e reduziria o risco de inadvertidamente gerar políticas ineficazes ou prejudiciais (OECD, 2020[9]).

Este capítulo foca na capacidade de planejamento do governo em refletir as prioridades dos cidadãos e do governo. Em particular, este capítulo avaliará os acordos institucionais do CdG (vide ainda o Capítulo 1) e a capacidade de traduzir compromissos políticos em objetivos estratégicos e planos mensuráveis. O capítulo investigará a capacidade do CdG em ligar esses objetivos e planos aos resultados por meio de priorização, identificação de problemas e engajamento de partes interessadas. Por fim, este capítulo explorará como o Brasil pode garantir o alinhamento entre planos em longo e médio prazos, mecanismos setoriais e de todo o governo, além de equilibrar a autonomia do estado com a necessidade de traduzir decisões estratégicas em nível territorial.

No Brasil, o planejamento é uma prática bem ancorada, resultando no estabelecimento de estruturas institucionais dedicadas e efetivo altamente treinado e competente no CdG. Além disso, diversas unidades e instituições do CdG são legalmente atribuídas a realizar funções-chave de planejamento. No entanto, as instituições do CdG no país passaram por reestruturação bastante frequente nas últimas décadas que, com o passar do tempo, levou a um grau de fragmentação e sobreposição nos mandatos e atividades. Essa fragmentação combinada a níveis comparativamente baixos de colaboração institucional (vide o Capítulo 1) dificulta a capacidade do governo de identificar prioridades políticas claras, tratar dos desafios multidimensionais e atingir seus objetivos estratégicos. O governo brasileiro mais recentemente começou a incluir práticas estratégicas preditivas e pensamento futuro em seus mecanismos de planejamento. No entanto, outras medidas são necessárias para embutir essa abordagem por todo o governo para um sistema de planejamento preditivo no Brasil.

Desde o início dos anos 2000, a capacidade institucional de assuntos estratégicos tem crescido substancialmente no Brasil. O sucesso na estabilização econômica e princípios da economia brasileira forneceram ao estado uma maior margem na participação direta e investimentos em desenvolvimento (IPEA, 2015[10]). Desde então, o planejamento do governo se intensificou com a implementação dos Planos Plurianuais (PPAs), a criação de departamentos de planejamento estratégico dentro do CdG (por exemplo, a Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência) e o estabelecimento de órgãos setoriais de planejamento estratégico (Empresa de Pesquisa Energética - EPE em 2004 e a Empresa de Planejamento e Logística - EPL em 2012) (Leite Lima et al., 2020[11]; IPEA, 2015[10]). Esta infraestrutura de política estratégica é suportada pela Escola Nacional de Administração (ENAP), Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que atua como produtores de conhecimento.

O CdG do Brasil se beneficiou da criação de carreiras dedicadas associadas ao planejamento. Em 1986, a ENAP foi criada para promover o treinamento a oficiais de alto escalão e servidores em funções estratégicas. Em linha com a ênfase ideológica do período, dois caminhos de carreira foram criados naquele momento: analistas de planejamento e orçamento (Analista de Planejamento e Orçamento, APO) e especialistas em políticas públicas e gestão governamental (Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, EPPGG) (IPEA, 2015[10]). Conforme o analisado na Revisão de Liderança e Capacidade de Serviço Público do Brasil da OCDE (OECD, forthcoming[12]), muitas vezes as carreiras são concebidas de acordo com as necessidades do setor específico ou entidade para as quais foram desenvolvidas. A inclusão de competências mais estratégicas e transversais dentro da carreira é menos comum. A criação da carreira de EPPGG foi, de fato, inspirada pela experiência da Escola Nacional de Administração do Governo da França (École Nationale d’Administration, ENA) e sua carreira de administrador civil. Durante suas carreiras, os EPPGGs têm a oportunidade de participar de diversos treinamentos e cursos de aperfeiçoamento em diferentes instituições, incluindo a ENAP. Os cursos abrangem competências diversas, incluindo aquelas ligadas ao planejamento em médio e longo prazo, trabalho em equipe e pensamento crítico. Em 2019, a ENAP sofreu fusão com a Escola de Administração Fazendária (ESAF), ampliando o número de carreiras oferecidas pela ENAP.

A função de planejamento estratégico dentro do CdG do Brasil é caracterizada por reconfigurações institucionais muito frequentes que contribuíram para a fragmentação de responsabilidades. Os CdGs em todo o mundo passam por reformas institucionais frequentes, fusões, divisões, etc. que, em si, não são exclusivas para o Brasil. Entre 2012 e 2017, 70% dos países entrevistados experimentaram uma mudança no número e 64% no tipo de unidades dentro do CdG. A taxa dessas mudanças para com a estrutura institucional, em termos de número e tipos de unidades, todavia, é bastante alta no Brasil. Por exemplo, desde o início dos anos 2000, a Secretaria Geral (SG) foi reconfigurada mais de dez vezes, incluindo sua dissolução em 2016 e recriação em 2017. Com base nas décadas recentes, essas reformas institucionais ocorrem por dois motivos principais. O primeiro e mais comum deles é redução de despesas, conforme o demonstrado pela recente fusão do Ministério da Fazenda e Planejamento em um único superministério (Agencia Brasil, 2018[13]). O segundo motivo é trazer certos itens da carteira em um âmbito presidencial mais direto. Em 14 de fevereiro de 2020, por exemplo, o Presidente Bolsonaro emitiu um decreto no qual colocou a Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos (SAE) diretamente sob o controle do Presidente da República e ampliou suas responsabilidades (Guilherme, 2020[14]). Em razão desses diversos fatores, os acordos institucionais de planejamento estratégico não são necessariamente concebidos para os fins de eficiência e, por esse motivo, as lacunas, sobreposições e duplicações em termos de mandatos podem facilmente ocorrer.

A arquitetura institucional para planejamento no CdG no Brasil abrange uma multitude de órgãos que são legalmente determinados para participar dos processos de planejamento estratégico em diversos níveis. Especificar melhor os mandatos das instituições de planejamento serviriam para esclarecer as responsabilidades e hierarquias por todo o governo a fim de evitar sobreposições ou lacunas e alavancar a continuidade e estabilidade em ações do governo (Duwe et al., 2017[15]). Seus mandatos que se relacionam a planejamento podem ser descritos da seguinte forma (uma descrição mais ampla de todos os órgãos do CdG e seus mandatos podem ser encontrados no Capítulo 1):

  • A Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos (SAE) foi concebida para fornecer dados sobre questões estratégicas para contribuir aos processos de tomada de decisão; planejar e formular políticas e estratégias nacionais em longo prazo; produzir dados para a formulação de planejamento estratégico nacional e ações estratégicas do estado; propor estratégias para a formulação de políticas; articular políticas nacionais em longo prazo e estratégias com órgãos e entidades públicas e privadas; coordenar e supervisionar projetos e programas necessários para a elaboração de ações estratégicas de estado. A SAE atualmente está ampliando suas capacidades para cumprir seu mandato e trabalhar em duas iniciativas de alto nível: formular a Agenda Estratégica Nacional, um conjunto de diretrizes e princípios estratégicos que visam sustentar as agências governamentais e planos estratégicos de ministérios em exercício; e o plano estratégico nacional em longo prazo.

  • A Casa Civil da Presidência da República (Casa Civil): com relação ao planejamento, a Casa Civil é amplamente responsável para a formulação da agenda estratégica, coordenação e articulação de prioridades governamentais, e monitoramento e avaliação de prioridades.2 As unidades de importância particular ao sistema de planejamento e algumas de suas principais tarefas são:

    • A Subchefia de Análise e Acompanhamento de Políticas Governamentais (SAG), responsável pela análise do mérito de propostas governamentais e liderança do processo de formulação da Estratégia Federal de Desenvolvimento 2020-2031 (EFD 2020-2031) com o Ministério da Economia.

    • A Subchefia de Articulação e Monitoramento (SAM) é responsável por monitorar as metas objetivos de prioridade definidos pelo Presidente da República e fornecer dados para a formulação da agenda do governo e assessoria em gestão de crises.

    • A Secretaria Especial de Relações Governamentais (SERG) é responsável, entre outros, por coordenar outros órgãos para apoiar o processo de tomada de decisão da Casa Civil dentro da Junta de Execução Orçamentária (JEO); articular e monitorar os projetos da SAM considerados prioridade pelo presidente; propor e submeter ao ministério de estado políticas públicas prioritárias de natureza transversal que requerem monitoramento específico; fornecendo suporte técnico ao ministro de estado para o Comitê Interministerial de Governança.

  • A Secretaria Geral da Presidência da República (SG) é responsável principalmente por formular e definir a estratégia do governo com relação à modernização do estado, garantindo suporte político para essa estratégia e liderando sua implementação.

  • A Secretaria de Governo (SEGOV), por meio da Secretaria Especial de Articulação Social (SEAS) com a Secretaria de Administração Federal, é responsável por conduzir a Agenda de Desenvolvimento Sustentável de 2030 no Brasil.

  • A Controladoria-Geral da União (CGU): As unidades técnicas da CGU são responsáveis por monitorar a implementação das recomendações que advêm das avaliações conduzidas pelo Conselho de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas (CMAP) e gerenciar seu sistema de monitoramento eletrônico, segundo a Resolução CMAP 2/2020.

  • O Ministério da Economia (ME) engloba competências relevantes ao planejamento, em particular (Artigo 1, Decreto 9.679/2019): a formulação do planejamento estratégico nacional e a elaboração dos dados para a formulação de políticas públicas de longo prazo que visam o desenvolvimento nacional; a avaliação dos impactos socioeconômicos das políticas e programas do governo federal e a elaboração de estudos especiais para a reformulação de políticas (conforme o descrito no Capítulo 4); a preparação de estudos e pesquisas para monitorar a situação socioeconômica e a administração da preparação de sistemas estatísticos e cartográficos nacionais, monitoramento e avaliação do PPA; coordenação e gestão dos sistemas de planejamento e orçamento federais.

    • Algumas unidades dentro do Ministério da Economia desempenham um papel particularmente importante no planejamento estratégico, a saber, a Secretária de Avaliação, Planejamento, Energia e Loteria (SECAP/ME); a Subsecretaria de Planejamento Governamental (SEPLA/ME); a Secretaria de Gestão (SEGES/ME); a Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia (SEDGG/ME).

Um número de órgãos interministeriais também se envolve no processo de planejamento e priorização no Brasil. Mais notavelmente, o Comitê Interministerial de Governança (CIG) é o órgão colegiado responsável por assessorar o Presidente da República sobre a política de governança da administração pública federal. É composto pelo Ministro da Casa Civil (que o coordena), o Ministro da Economia e o Ministro da CGU, e desempenha um papel-chave na concepção do PPA. Por meio da Resolução 1 de 24 de julho de 2019, o comitê implantou “medidas de governança” para os investimentos plurianuais do PPA em 2020-2023 e para o projeto da Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2020.3 O comitê ativamente definiu 19 diretrizes e 30 projetos prioritários para investimentos no PPA. Os resultados do monitoramento dos 30 projetos prioritários do PPA também são periodicamente apresentados ao CIG. As recomendações do comitê servem para finalizar e formalizar a EFD 2020-2031.

Além disso, três instituições públicas apoiam substancialmente o processo de planejamento:

  • O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) envolveu-se em consultas sociais para o PPA e prestou serviços técnicos para a conceção da EFD.

  • A Escola Nacional de Administração Pública (ENAP), historicamente, desempenha um papel relevante na formulação do PPA – plano orçamentário plurianual, que apresenta diretrizes mais amplas para o processo orçamentário federal. Em 2019, a preparação do Plano Plurianual 2020-2023 foi conduzida em mais de mil horas de oficinas, abrangendo 53 programas diferentes de PPA. A ENAP também providenciou o planejamento estratégico, alinhamento estratégico e serviços de governança para o CdG, particularmente para a Casa Civil, para a SG e para o Ministério da Economia.4

  • O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), sob a tutela do Ministério da Economia, é o principal provedor das informações estatísticas e geográficas para uma variedade de órgãos nas esferas estaduais e municipais, assim como a sociedade civil. Os dados e informações fornecidos pelo instituto são uma fonte confiável de evidências utilizadas por todo o processo de planejamento.

A multiplicação de órgãos de planejamento e a inerente fragmentação institucional criaram uma situação na qual os mandatos dessas instituições se sobrepõem em algumas áreas. Por exemplo, a SAE ficou encarregada do planejamento e formulação de políticas e estratégias nacionais de longo prazo. No entanto, o Ministério da Economia também é legalmente responsável pela elaboração dos dados para a formulação de políticas públicas de longo prazo que visam o desenvolvimento nacional e a estratégia de longo prazo existente foi produzida pela Casa Civil, pelo Ministério da Economia e pelo IPEA. Essa ambiguidade refletiu-se nas discussões realizadas com as partes interessadas por todo esse processo: os participantes ressaltaram a falta de clareza acerca de qual órgão liderava a definição e monitoramento das prioridades políticas. Enquanto alguns agentes salientaram a função desempenhada pela SAM na Casa Civil, outros mencionaram a SAG ou a recém-criada Unidade de Entrega dentro do Ministério da Economia.

Além disso, conforme o ressaltado no Capítulo 1 sobre coordenação, essa fragmentação é agravada pelos baixos níveis de colaboração institucional, que exacerbam algumas das deficiências inerentes do sistema de sistema de planejamento. Os baixos níveis de coordenação limitam a capacidade do governo em identificar claras prioridades políticas, consideram desafios multidimensionais e atingem seus objetivos estratégicos. A natureza do planejamento estratégico requer o envolvimento de muitas partes e, portanto, uma estrutura de desempenho mais sólida que esclarece as funções e os papéis de todos os agentes, além de criar mecanismos de coordenação sustentável entre eles.

Essa visão geral das instituições autorizadas a realizar diversas funções no processo de planejamento reflete a complexidade do CdG do Brasil, mas também a falta de clareza nas prioridades e planejamento governamental por sua implementação. Em particular, não fica claro quem “detém” o processo de planejamento entre o Ministério da Economia e as instituições centrais do CdG na presidência, a saber, a Casa Civil e a SAE. O Comitê Interministerial de Governança (CIG) faz essa ligação entre o Ministério da Economia e a Casa Civil; todavia, a identificação e o monitoramento das prioridades permanecem ambíguos. Ainda, pelo fato de a SAE se posicionar como o principal órgão de planejamento de alto nível e em longo prazo, são necessários caminhos de coordenação e esclarecimento adicionais. A questão em voga é criar um relacionamento articulado dentro do ecossistema que suporta a definição das prioridades de política e o sistema que garante sua implementação.

A fragmentação do sistema permite a criação e a sustentação de externalidades negativas, tais como, muitos planos para implementação efetiva; falta de conscientização em torno dos planos no nível operacional; risco de objetivos contraditórios nos instrumentos de planejamento gerados; conflito entre prazos; atribuição limitada e recursos para implementação; e, por fim, prestação de contas limitada aos cidadãos para a entrega do resultado do planejamento. Como tal, o CdG do Brasil se beneficiaria da racionalização, uniformização e simplificação de sua arquitetura de planejamento estratégico (vide Capítulo 1).

O governo brasileiro começou a criar a capacidade preditiva estratégica e pensamento em “futuros” para alimentar seu sistema de planejamento, mas poderia tomar outras medidas para incorporar essa abordagem geral para um governo mais resiliente, flexível e adaptável. A previsão estratégica é “uma maneira estruturada e sistemática de utilizar ideias sobre o futuro para antecipar e melhor preparar para mudanças” (OECD, 2019[16]). É a capacidade de uma organização constantemente perceber, fazer sentido e agir em diferentes ideias do futuro emergente no presente (OECD-OPSI, 2021[17]). A previsão estratégica é, não obstante, distinta da avaliação de risco, que concentra em eventos potenciais individuais e os considera isoladamente, tentando quantificar sua probabilidade e impacto (OECD-OPSI, 2021[17]). A seção a seguir foca nas capacidades e práticas de previsão estratégica, em vez de avaliação de risco ou atividades de coleta de inteligência.

Os governos no mundo todo usam a previsão estratégica para obter advertências prévias de interferências iminentes, criar resiliência e futura comprovação de planos, reestruturar e aumentar a eficácia de suas estratégias e gerar linguagem compartilhada e visões de sucesso (OECD-OPSI, 2021[17]). Os governos e organizações internacionais em todo o mundo trouxeram exame e previsão na produção de políticas de diferentes maneiras, variando de exercícios ad hoc dentro de departamentos governamentais particulares para esforços institucionalizados mais amplos a fim de intensificar a previsão por todo o serviço público e informar o diálogo de política no nível político. Alguns exemplos marcantes incluem o Centro de Futuros Estratégicos no Gabinete do Primeiro Ministro de Singapura, o Centro de Previsão do Parlamento da Finlândia, Horizontes de Política do Canadá, o Conselho de Inteligência Nacional dos Estados Unidos e o Centro de Estratégia Política da Europa, entre muitos outros. Apesar de a previsão aumentar e suportar o desenvolvimento de planos estratégicos, é distinta do processo de planejamento e não pretende substitui-lo. Em vez disso, a previsão estratégica visa impor questões-chave que poderiam ser espontâneas ao desenvolver uma estratégia e revelar e desafiar suposições e expectativas criadas em políticas e planos atuais. As metodologias usadas na previsão estratégica são diversas, visam prever percepções para o desenvolvimento de políticas futuras prontas de diversas maneiras (Quadro 2.1).

O CdG do Brasil tentou integrar a previsão estratégica no processo de planejamento e tomada de decisão. Em particular, cenários alternativos representam um componente-chave da Estratégia Federal de Desenvolvimento para o Brasil no período de 2020 a 2031 (EFD 2020-2031). A EFD 2020-2031 apresenta três possíveis cenários para a evolução da economia brasileira no período até 2031, com 2020 sendo o ano-base (Ministério da Economia, 2020[18]):

  • O cenário de referência pressupõe estabilidade macroeconômica com reformas que viabilizariam o equilíbrio fiscal de longo prazo, permitindo a retomada de uma trajetória de crescimento sustentado.

  • Já o cenário transformador considera um conjunto mais amplo de reformas que impulsionaria o aumento da produtividade geral da economia e da taxa de investimento, sobretudo em infraestrutura; além do avanço mais intenso da escolaridade e, portanto, de ganhos em termos do capital humano e da taxa de participação da população em idade ativa.

  • Por último, especula-se sobre um cenário de desequilíbrio fiscal, não quantificável, cujas consequências dramáticas confluíram para o risco de insolvência do Estado.

No entanto, esses cenários não poderiam ser considerados “cenários” tradicionais de previsão estratégica. Na verdade, os cenários desenvolvidos como parte da EFD exploram diversas ações alternativas que o governo poderia tomar e seus resultados relacionados (assumidos). Os cenários de previsão, por outro lado, não visam trabalhar com estratégias alternativas, mas com contextos alternativos – significando eventos que acontecem fora do controle de uma organização (por exemplo, pandemia global, crise financeira, avanços na tecnologia, etc.). O objetivo do exercício é, portanto, identificar quando uma organização teria a capacidade de agir/preparar-se/prever/alterar o curso, a fim de navegar nos melhores desses contextos externos.

Outros órgãos governamentais também poderiam fazer uso de métodos de previsão estratégica, apesar de a prática permanecer fragmentada e ainda não integrada no processo de planejamento. A Assessoria Especial de Gestão Estratégica (AEG) do Ministério das Relações Exteriores é responsável por produzir artigos, discursos e analisar cenários ligados a tendências internacionais, de modo a identificar novas questões, definir prioridades e sugerir planos de ação, envolvendo técnicas preditivas de maneira não estruturada. Esses documentos não são sistematicamente compartilhados com o CdG ou os ministérios em exercício. A Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos (SAE) indicou ter utilizado cenários alternativos em longo prazo e um levantamento como ferramenta de previsão estratégica, proveniente de consultas de parcerias na academia e outras agências governamentais. Em particular, a instituição atualmente trabalha em um projeto interno com o IPEA e a Universidade de Denver (EUA) especialmente visando formular a base e cenários prospectivos, utilizando-os como ferramentas de planejamento. Por fim, o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) desenvolve estudos temáticos e gera imagens georreferenciadas para cenários alternativos.

Em segundo lugar, o governo do Brasil indicou que a capacidade limitada para integrar práticas de previsão estratégica sistematicamente por todo o governo constitui um dos principais obstáculos para o CdG do Brasil, em particular, com relação à integração de sistemas, recursos financeiros e conscientização limitada. Idealmente, a capacidade preditiva deveria ser integrada por toda a organização, não apenas concentrada em unidades preditivas, em um esforço de promover a resiliência e superar as limitações orçamentárias potenciais. Isso requer treinamento muito específico ou orientação por oficiais, incluindo a teoria de futuros múltiplos e metodologias, tais como a exploração do horizonte e o planejamento de cenários. O Gabinete de Governo para a Ciência do Reino Unido, por exemplo, desenvolveu um Conjunto de Ferramentas de Futuros disseminado por todo o governo para garantir que as políticas e decisões governamentais pudessem ser informadas por pensamento estratégico em longo prazo (UK Government, 2017[19]). Para impulsionar competências governamentais e capacidades preditivas incorporadas por todo o setor público, o CdG poderia desenvolver cursos de “Introdução à Previsão” com o apoio da Escola Nacional de Administração Pública (ENAP). Isso proporcionaria não apenas alavancar a capacidade, mas também começar a construir uma rede de defensores que compreendem o valor e os limites da previsão estratégica. Para otimizar a eficácia dessas oportunidades, esforços devem ser tomados para alternar os tópicos focais do curso a fim de cobrir uma ampla gama de interesses e engajar agentes por todo o setor público. Para desenvolver a capacidade, o Brasil necessitaria promover o desenvolvimento de currículos para diversas partes interessadas, assim como uma ligação direta ao processo de desenvolvimento da política.

A experiência da OCDE tende a mostrar que ter uma unidade central de previsão dedicada para advogar, conduzir, realizar e coordenar o trabalho de supervisão do governo é essencial para permitir a generalização efetiva e a integração de práticas de previsão por todos os departamentos do governo e dentro de processos centrais de tomada de decisão. Essas unidades centrais se beneficiam de redes por todo o governo para disseminar suas descobertas e promover uma abordagem orientada a “futuros” para o planejamento estratégico e confirmar a adesão por todo o setor público. Considerando que diversas unidades do CdG apontaram para a fragmentação de organizações públicas como uma barreira para as atividades de previsão estratégica, a SAE poderia, em teoria, assumir esse papel dada sua atual incumbência. Além de abrigar a previsão estratégica em uma unidade dedicada, o CdG poderia conceber o início de uma rede de previsão estratégica governamental para promover uma comunidade de práticas em que o efetivo pode compartilhar o que vê como parte de seu trabalho contínuo. À medida que o número de defensores aumenta, novas unidades estratégicas podem ser criadas dentro de outros departamentos e ministérios setoriais. O Quadro 2.2 prevê uma gama de exemplos dos países-membros da OCDE em possíveis acordos institucionais para incorporar a previsão estratégica no planejamento e no processo de tomada de decisão.

Os governos possuem recursos limitados para tratar de problemas de política e atingir seus objetivos; por esse motivo, a priorização é parte crucial dos estágios prévios do planejamento estratégico e formulação de política (OECD, 2020[22]). Permite compromissos mais realistas, aumenta a probabilidade de acompanhamento e no geral permite que as administrações desenvolvam planos mais críveis (OECD, 2020[22]). A priorização inadequada gera problemas em nível operacional, pois os tomadores de decisão se esforçam para trabalhar em todas as iniciativas sem entender o que seria mais importante para a alta administração e os chefes de governo, muitas vezes, levando a trabalhos incompletos (Plant, 2009[23]). O processo de planejamento estratégico ainda requer que os tomadores de decisão estipulem um número de objetivos apropriados e selecionem critérios rigorosos para definir quais devem ser considerados uma prioridade maior (Nuti, Vaneira and Vola, 2017[24]). A priorização envolve inerentemente contrapartidas, especialmente equilíbrio em longo prazo face a metas em curto prazo e entre diversos grupos de interesse, sequenciamento, tudo diante de informações incompletas e imperfeitas (Andres, Biller and Dappe, 2016[25]). Na prática, isso, muitas vezes, apresenta desafios para a maioria das administrações, dependendo da composição única institucional e política apresentada por dado país. O sistema de planejamento no Brasil é caraterizado pelo foco no processo, algumas vezes, à custa dos resultados. Em particular, os documentos de planejamento de todo o governo produzidos pelo CdG não claramente identificam prioridades amplas nem articular uma lógica explícita para a priorização de algumas medidas sobre outras. Ainda, a configuração institucional fragmentada para o planejamento delineado na seção anterior deste capítulo levou a propriedade incerta das prioridades definidas nos planos estratégicos, assim com processos paralelos de priorização. Por fim, o CdG limitou o escopo discricionário a sua disposição para priorizar certas ações ou áreas do ponto de vista orçamentário devido à rigidez orçamentária enraizada.

As metodologias de priorização desenvolvidas nos planos estratégicos existentes no Brasil não oferecem uma estrutura coerente para identificar e implementar prioridades governamentais. Mais especificamente, a estrutura existente não funciona como uma ferramenta para identificar prioridades, oferece uma lógica para sua seleção e conduzem todo o governo rumo a essas metas. Fundamentalmente, o CdG deveria possibilitar a disseminação de uma mensagem clara, coerente e consistente ao público e ao restante da administração acerca das prioridades de alto nível (vide ainda os Capítulos 1 e 5). Essa decisão usa a Estratégia Federal de Desenvolvimento 2020-2031 e o PPA 2020-2023 para ilustrar esses pontos e sugere maneiras potenciais para melhor ligar esses documentos de planejamento com os resultados.

A Estratégia Federal de Desenvolvimento (EFD) 2020-2031 foi estabelecida pelo Decreto10.531, em 26 de outubro de 2020. Substitui a Estratégia Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (ENDES) que também estabelece uma visão nacional em longo prazo do mesmo período, mas nunca foi publicada oficialmente (Chiavari et al., 2020[26]). A principal justificativa da EFD é aumentar a renda e a qualidade de vida do povo brasileiro com uma redução nas desigualdades sociais e regionais, com base no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) das Nações Unidas (NU), e em linha com o artigo 3 da Constituição Federal (Ministério da Economia, 2020[18]). Além disso, essa estratégia em longo prazo é reforçada pelo uso dos Indicadores-Chave Nacionais (Ministério da Economia, 2020[18]).

A estratégia federal é organizada em torno de cinco eixos: econômico, institucional, ambiental, social e de infraestrutura (Ministério da Economia, 2020[18]). A EFD é entendida como uma estratégia largamente social e econômica, que se abstém de outros setores centrais do governo, tais como política externa, ciência ou tecnologia. Os pilares são compostos dos seguintes elementos:

  • As seis diretrizes representam os macro objetivos do Estado, refletindo uma leitura atualizada dos objetivos delineados no Artigo 3 da Constituição Federal. Cada um dos cinco eixos está associado a uma diretriz, com uma diretriz principal válida para todos os eixos (Ministério da Economia, 2020[18]).

  • Os dezoito desafios associados aos eixos são questões a serem tratadas por um conjunto específico de políticas públicas, com uma visão para se obter os macro objetivos definidos nas diretrizes.

  • A lista de orientações lista o curso estratégico de ação ou políticas escolhidas pelo governo para tratar dos desafios identificados.

  • Os 36 índices-chave nacionais representam a métrica de impacto para o diagnóstico e comparabilidade internacional da atual situação e futura trajetória do país para cada macro-objetivo.

  • As 36 metas-alvo que são cálculos-alvo para cada índice-chave, ambos no cenário de referência e no cenário transformador.

Apesar de a EFD 2020-2031 ser organizada em uma estrutura transversal, a metodologia usada para priorizar os desafios contidos em cada diretriz não é explícito. Em abril de 2019, a Secretaria de Gestão (SEGES), responsável por esta estratégia, solicitou que o IPEA propusesse objetivos ligados a cada uma das áreas-chave e sustentasse discussões e validação com os ministérios em exercício ligados aos temas (Ministério da Economia, 2020[18]). Em maio de 2019, reuniões internas foram realizadas no instituto, com outros departamentos para discussão e apresentação das metas e, apesar de as prioridades terem sido determinadas em dezembro de 2019, o processo foi reaberto devido a pandemia (Ministério da Economia, 2020[18]). A seleção de metas levou em consideração os compromissos existentes do país a organizações multilaterais, planos setoriais e políticas nacionais predominantes em cada tema em um esforço de garantir o alinhamento em médio e longo prazo (Ministério da Economia, 2020[18]). Não ficou claro se as prioridades do governo são eixos gerais, diretrizes, desafios-chave identificados dentro de cada eixo ou “orientações” mais numerosas para tratar de cada desafio. A fundamentação geral para selecionar as diretrizes da EFD é seu impacto no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do país; entretanto, não há nenhuma lógica explícita articulando porque essas áreas do IDH foram priorizadas sobre outras, nem ajuda a priorizar o grande número de orientações associadas a cada desafio. Por exemplo, o eixo institucional contém mais de 50 orientações para tratar dos desafios identificados, sem indicação quanto ao sequenciamento ou priorização entre essas orientações.

Segundo a Constituição Federal, o PPA é um instrumento-chave de planejamento governamental que define objetivos e metas para o país no curso de quatro anos. O foco do PPA na estrutura orçamentária do governo, todavia, significa que, por vezes, um objetivo estratégico de estado não será incluído, pois não está associado a um projeto estratégico e gastos orçamentários relacionados. O PPA é elaborado pelo executivo e aprovado pelo legislativo no primeiro ano de cada mandato de governo e, portanto, em vigor a partir do segundo ano de mandato até o término do primeiro ano do mandato seguinte de forma a promover continuidade entre as administrações. O PPA estabelece diretrizes, metas e objetivos do governo federal e seus gastos. Entretanto, não extrai de instrumentos de planejamento de prazo mais extenso, tais como previsão estratégica ou planejamento fiscal plurianual.

A estrutura do PPA 2020-2023 foi extensamente simplificada em comparação com seus antecessores (Figura 2.2). Considerando que o PPA 2016-2019 reuniu 54 programas temáticos, 304 objetivos, 542 indicadores, 1.136 metas e 3.101 iniciativas, o PPA 2020-2023 foi desdobrado em 6 eixos com 19 diretrizes e 15 temas, 70 programas e 70 objetivos e metas correspondentes, medidos por 61 indicadores e produzindo 280 resultados intermediários (Ministério da Economia, 2019[27]; Governo Federal - Brasil, 2020[28]). Esses elementos são organizados em uma dimensão estratégica, tática ou operacional.

Esse esforço de simplificação está possivelmente ligado ao desenvolvimento de planos setoriais para a implementação de políticas públicas e o desenvolvimento de capacidades de planejamento estratégico no nível de agência. Não obstante, teve um custo: a organização setorial e em silos dos programas significa que o plano não foi concebido como uma ferramenta para tratar de questões transversais. Na verdade, apenas contém um item transversal na agenda: a pauta transversal e multisetorial da primeira infância, que envolve ações em saúde, assistência social, cultura, direitos humanos, segurança pública e educação. Os programas estão associados aos eixos e temas, mas o plano não interliga os programas nem define como alguns programas podem contribuir ou inibir o objetivo de outro programa. Por esse motivo, é difícil identificar sinergias e contrapartidas entre os programas. Mesmo assim, pelo fato de os programas estarem associados a uma das 19 diretrizes que possuem caráter transversal, os programas de áreas de políticas diferentes e instituições podem contribuir para a mesma diretriz. A organização setorial do PPA 2020-2023 significa que o PPA representa mais um agregado de prioridades setoriais associadas a temas e eixos globais, em vez de uma ferramenta para a priorização do governo e gestão das prioridades transversais.

Os diferentes níveis do PPA não estão articulados por meio de uma estrutura lógica; por esse motivo, não fica claro como os programas operacionais contribuem para as prioridades governamentais. Os programas estão associados a eixos e temas; mas não necessariamente fica claro como contribuem a eles e não explicitamente estão ligados a diretrizes estratégicas. Em particular, o manual técnico aponta que “não é possível estabelecer uma relação causal entre o desempenho de um programa e a conformidade com as diretrizes, a menos que uma avaliação seja conduzida sobre o impacto desses programas” (Ministério da Economia, 2019[27]). Portanto, o CdG deveria prever intensificar a articulação entre a dimensão estratégica e a dimensão “tática” ou operacional em futuras versões do PPA.

Na prática, o PPA em si atende um papel limitado no esclarecimento das prioridades de política do governo, pois o instrumento atual constitucionalmente produzido com quais prioridades devem ser identificadas não é o PPA, mas a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). A LDO inclui um anexo de "metas e prioridades", que constitui uma lista de programas e ações para quem os recursos orçamentários devem ser alocados em base preferencial (IPEA, 2015[10]). No entanto, o anexo não é acompanhando de nenhuma narrativa que explica os motivos pelos quais esses programas e ações foram selecionados e como se espera que contribuam a objetivos estratégicos mais amplos do governo, sejam "macro objetivos" ou metas de política setorial específicos (IPEA, 2015[10]). Não obstante, é importante observar que a Resolução 1/2019 do Comitê Interministerial de Governança (CIG) criou um grupo de trabalho para investimentos em infraestrutura encarregado de priorizar investimentos plurianuais e oferece diretrizes amplas e critérios para a inclusão de projetos no PPA 2020-2023.5

O CdG do Brasil poderia intensificar as metodologias de priorização usadas em seus documentos estratégicos, baseando-se na experiência internacional. A OCDE publicou três metodologias de priorização, que podem oferecer certa clareza útil para o Brasil:

  • A série Going for Growth agora abrange mais de 50 países, incluindo todos os países-membros da OECD. Identifica cinco reformas estruturais centrais para cada economia, servindo para alavancar o crescimento econômico em médio prazo de maneira inclusiva e sustentável (OECD, 2021[29]). Embora a metodologia original da publicação tenha focado unicamente nas reformas que provavelmente afetariam o crescimento econômico, a estrutura se estendeu para incluir inclusão em 2017 e sustentabilidade ambiental em 2019 (OECD, 2021[29]). Cada indicador de resultado econômico corresponde ao indicador de políticas comprovadas para seu tratamento; cada um desses pares resultado-política é então comparado com a média da OECD. Um par resultado-política se torna um candidato prioritário em certa economia quando o país é identificado como tendo baixas práticas na política e baixo desempenho no resultado (OECD, 2021[29]). Então, a OECD seleciona cinco desses como desafios prioritários superiores enfrentados por cada economia. As prioridades da reforma estrutural de 2021 identificadas para o Brasil foram as seguintes (OECD, 2021[30]):

    • Proteção social: Aumentar a eficácia dos benefícios sociais.

    • Educação e competências: Aumentar o patrimônio e os resultados em educação e treinamento profissional.

    • Concorrência e regulação: Reduzir as barreiras à concorrência e comércio.

    • Sistema tributário: Reduzir distorções no sistema tributário.

    • Política ambiental: Preservar ativos naturais e conter o desmatamento.

  • A Estrutura de Medição do Bem-Estar e Progresso da OCDE, por outro lado, identifica 11 dimensões ligadas a: condições materiais que moldam as opções econômicas das pessoas; fatores de qualidade de vida que abrangem o quão bem as pessoas estão, o que sabem e o que podem fazer e o quão saudável e segura é sua situação de vida; e como as pessoas estão conectadas e engajadas (OECD, 2020[31]). Os recursos que fundamentam essas condições e o futuro bem-estar foram divididos em quatro áreas principais: econômicos, naturais, humanos e sociais (OECD, 2020[31]). Apesar de as dimensões-chave ressaltarem áreas cruciais para a reforma, a estrutura de bem-estar não tenta priorizar reformas e não considera sua viabilidade.

  • Ferramentas de priorização e repriorização SIGMA para a reforma de administração pública (PAR). A Ferramenta de Priorização SIGMA abrange todas as áreas da PAR. Como um anexo ao conjunto de ferramentas para a preparação, implementação, monitoramento, relatório e avaliação da reforma da administração pública e estratégias do setor, sua visão é “estruturar e guiar a autoavaliação e identificação de questões centrais em cada área da PAR, assim como classificar esses aspectos usando uma escala simples, e sugerir possíveis ações para tratar de problemas ou desafios identificados” (OECD/SIGMA, 2018[32]). SIGMA posteriormente desenvolveu uma ferramenta de repriorização para complementar a ferramenta de análise da política existente a fim de ajudar os países sistematicamente analisarem seus objetivos e ações ligadas à PAR, à luz da crise de COVID-19 (OECD/SIGMA, 2021[33]).

Outros governos ou instituições de pesquisa também desenvolveram priorização de reformas adequadas à finalidade que poderiam ser de interesse ao Brasil, a saber, a estrutura de priorização do Reino Unido (Quadro 2.3).

O desalinhamento e fragmentação da arquitetura de planejamento delineadas na seção anterior deste capítulo contribuíram para a propriedade imprecisa das prioridades definidas nos planos estratégicos, assim como nos processos de priorização paralela. Durante a missão de coleta de dados, as partes interessadas expressaram que 280 resultados intermediários do PPA, derivados dos 195 Planos Estratégicos Institucionais (PEIs), poderiam ser entendidos como prioridades separadas dos ministérios em exercício em vez do governo como um todo. Adicionalmente, a Subchefia de Articulação e Monitoramento (SAM) da Casa Civil identificou 39 prioridades que monitoram. Novamente, as prioridades identificadas incluíam temas bastantes gerais, tais como “educação” ou “energia” e não estavam ligadas a nenhum dos planos estratégicos existentes. Em paralelo, uma unidade de entrega do Ministério da Economia foi recentemente criada para monitorar as prioridades do ministério e, por fim, aquelas relacionadas à pandemia. Essa unidade monitora em torno de 30 prioridades distribuídas em 3 pilares estratégicos (Suporte a cidadãos vulneráveis; Combate à pandemia; Renda e emprego). Otimizar o processo de priorização e reduzir esses sistemas paralelos é fundamental para garantir que o CdG desempenhe um papel verdadeiramente diretor para se atingir os objetivos de todo o governo.

Mais recentemente, o CdG do Brasil progrediu na tentativa de sinalizar prioridades por meio de uma pauta legislativa formalizada de prioridades. Em 2022, foi lançado o processo de consolidação de propostas para uma pauta legislativa de prioridades do governo federal. Após requerer sugestões, 531 propostas foram recebidas e avaliadas pela Subchefia de Análise e Acompanhamento de Políticas Governamentais (SAG) com base nos seguintes critérios: adesão, contribuição, impacto e relevância da questão atinente às políticas e diretrizes de governo. Subsequentemente, as 95 melhores propostas foram selecionadas e submetidas para consideração. Ao final, 45 propostas foram priorizadas para compor a pauta legislativa de prioridades do governo federal em 2022. Apesar de a formalização da pauta legislativa de prioridades ser uma boa prática para desenvolver uma melhor participação e clareza por todo o governo sobre as prioridades governamentais, não ficou claro como esse exercício de priorização foi (se, de fato) utilizado para ajustar as prioridades monitoradas pelo CdG ou pelo Ministério da Economia.

A Casa Civil e o Ministério da Economia poderiam trabalhar com outros órgãos do CdG, ministérios em exercício e agências para definir um número limitado de metas orientadas ao resultado compartilhadas por todo o governo. Um número limitado de metas claras e concretas poderia servir como um ponto focal de esforço unificador para toda a administração, e atuar como um item de comunicação clara com o público (Quadro 2.4). Esse exercício é fundamental para criar uma clara estrutura de desempenho no CdG, focada em um conjunto definido de resultados esperados em vez de processos e, ao fazer isso, contribuiria para redefinir a função do CdG como um agente de ação pública verdadeiramente estratégico (vide a recomendação do Capítulo 1 sobre a criação de uma estrutura de política conducente para o CdG). Essas prioridades compartilhadas globais poderiam tratar do seguinte (Brown, Kohli and Mignotte, 2021[35]):

  • Objetivos que requerem ações de todo o governo, tais como, educação na infância ou tratar de mudanças climáticas.

  • Funções de apoio à missão, tais como, melhorar os níveis de engajamento de funcionários ou cancelar sistemas de tecnologia da informação (TI) de legado.

  • Problemas que se enquadrem na responsabilidade de uma única agência, mas que são definidos como cruciais pelo CdG.

Independentemente do escopo dessas metas de prioridade do governo, o CdG do Brasil deveria objetivar formular os objetivos associados a ele de maneira a claramente estabelecer qual seria seu sucesso. A adequação dos objetivos seria testada em relação ao modelo chamado SMART (específico, mensurável, orientado à ação, realista, com prazo definido) (Vági and Rimkute, 2018[36]). Apesar de as metas de prioridade serem realistas, o governo deveria estar exaurido de definir as métricas de sucesso que são muito fáceis de se controlar ou atingir e que poderiam, ainda mais, se traduzir no impacto significativo para os cidadãos.

Esse conjunto de metas prioritárias limitadas guiadas pelo CdG deve ser suportado pelas estruturas de gestão do desempenho e rotinas para conduzir sua implementação (vide o Capítulo 1 para uma discussão mais profunda sobre a gestão do desempenho). Os países da OCDE normalmente empregaram reuniões de rotina para revisar o progresso em metas de prioridade. Por exemplo, a Secretaria de Estratégia do Governo da Finlândia realiza sessões quinzenais de estratégia do governo para acompanhar o progresso rumo as prioridades estratégicas do governo (Quadro 2.4). De igual forma, nos Estados Unidos, as Metas de Prioridade Entre Agências são acompanhadas por reuniões de análise ativada por dados mensais ou trimestrais com líderes de agências (Brown, Kohli and Mignotte, 2021[35]). Muitos países também optaram por estabelecer uma única estrutura dedicada dentro do CdG encarregada por impulsionar a implementação dessas prioridades essenciais, seja na forma de uma “unidade de entrega” clássica ou atribuir essa responsabilidade a uma secretaria existente como é o caso na Finlândia. Não obstante, as unidades de entrega possuem seus limites: sem o suporte político apropriado uma missão claramente definida e um mecanismo efetivo para ajudar as expectativas, essas unidades podem produzir resultados mistos (Gold, 2017[38]).

Enquanto áreas de política específicas, os programas e reformas são reforçados em diversos documentos estratégicos, não necessariamente aparecem priorizados do ponto de vista orçamentário ou ações governamentais verdadeiramente orientadas (vide o Capítulo 3). Na verdade, durante as missões de descoberta de fatos, as partes interessadas indicaram que apenas em torno de 6% do orçamento poderia ser alocado a “novos programas da campanha presidencial”. Aproximadamente 94% do orçamento são determinados por alocações configurados em legislação, com apenas 6% dos gastos incrementais disponíveis às prioridades do governo. Com tão pequena proporção de recursos disponíveis para alocação em um orçamento federal, a concorrência por financiamento é elevada e deve ser complementada por capacidades bem desenvolvidas em priorização, todavia, da forma delineada na seção anterior, esse ainda não é o caso no Brasil. Há escopo para que o Ministério da Economia, com a Casa Civil, fortaleça a avaliação e a priorização dos gastos atuais para suportar a seleção de iniciativas de orçamento no contexto de recursos escassos.

Em particular e de maneira mais detalhada no Capítulo 3, criar uma estrutura de revisão de gastos no Brasil poderia ajudar a alinhar os gastos às prioridades governamentais. A introdução de um requisito para revisões de gastos periódicas poderia ajudar a tratar da questão de priorizar gastos, incluindo gastos obrigatórios (ou legislados).

O Brasil poderia melhorar a eficácia de seu aparato de priorização e planejamento estratégico, criando uma estrutura mais robusta e transparente para a identificação de problemas pelo melhor uso de provas e engajamento da parte interessada. A capacidade dos tomadores de decisão decidirem quando e como regular para atingir as metas do público também requer avaliação adequada de impacto regulatório, que, em si, confia em bases sólidas, competências para analisar e avaliar dados, e engajamento apropriado da parte interessada. Os ganhos em áreas de governança pública poderiam, ainda, melhorar a qualidade de priorização, planejamento estratégico e práticas de tomada de decisão no Brasil como um todo.

A identificação de problemas, algumas vezes, denominada fase diagnóstica, é uma parte essencial de qualquer processo de desenvolvimento de estratégia. Pressupõe desenvolver uma análise com base em provas da situação atual (grandes resultados ou conquistas de estratégias anteriores e em curso, problemas-chave ou gargalos e suas causas-raiz), aprendizado de lições de programas, reformas e planos anteriores (Vági and Rimkute, 2018[36]). Os resultados dessa análise devem, então, se alimentar em etapas subsequentes do processo de planejamento, ou seja, priorização, estabelecimento de objetivos e planejamento do processo de ação e, portanto, afetam a qualidade geral e relevância do plano como um todo. No Brasil, o processo de priorização está inadequadamente ligado ao processo de identificação de problemas e atividades de diagnóstico, seja devido a questões de sequenciamento ou uma base de provas insuficientes.

A extensão na qual a priorização de temas e ações na Estratégia Federal de Desenvolvimento (EFD) se originou das atividades de análise de problemas é incerta. As informações contidas no plano em si não mencionam nenhum diagnóstico específico ou análise de problemas realizado pelos órgãos envolvidos em sua elaboração (Ministério da Economia, 2020[18]). Por todo o ano de 2019 e primeiro semestre de 2020, a Subchefia de Análise e Acompanhamento de Políticas Governamentais (SAG) e a Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia (SEDGG/ME) coordenaram esforços para conceber o EFD. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) conduziu a dimensão técnica da estratégia, além de uma reflexão sobre os índices e alvos-chave. Além disso, a formulação da EFD se beneficiou de informações recebidas dos ministérios em exercício durante reuniões organizadas e conduzidas pela SAG e pela SEDGG.

De modo similar, a priorização inicial das propostas de programa durante a elaboração do Plano Plurianual (PPA) não foi informada por um diagnóstico. O manual técnico do PPA 2020-2023 indica que os ministérios em exercício conduziram a fase diagnóstica após a pré-seleção dos programas pela Subsecretaria de Planejamento Governamental (SEPLA/ME). Esta lista de programas foi extraída da percepção da unidade acerca dos principais problemas ou desafios encarados pelos ministérios em exercício e foi apresentada como ponto de partida para a discussão. Não obstante, a unidade enfatizou que a identificação e a definição dos programas eram mais sobre estabelecer exemplos claros e que não havia suposição de que os ministérios em exercício adeririam a essa pré-seleção. Apesar de oficinas posteriores com os ministérios em exercício apresentando a oportunidade de modificar ou excluir os programas extensivamente, a lista inicial pode ser vista como uma racionalização ex post dos programas existentes.

O escopo do diagnóstico foi restringido um pouco mais, pois as perguntas da análise de problemas levaram as propostas do programa do PPA como ponto de partida, em vez dos desafios ou esforços anteriores de reforma. Foi pedido aos ministérios em exercício e órgãos setoriais que conduzissem um diagnóstico para cada proposta de programa, respondendo às seguintes perguntas (Ministério da Economia, 2019[27]):

  • Qual problema ou necessidade a proposta visa solucionar?

  • O que causa o problema?

  • Quais são as provas da existência do problema na realidade brasileira?

  • Quais são os motivos para o governo federal intervir?

Para ter uma visão geral analítica mais abrangente do atual estado dos problemas, permitir o governo identificar os principais desafios e causas-raiz, as perguntas da análise de problemas não deveriam se limitar às propostas de programa relacionadas. A OCDE desenvolveu um conjunto de perguntas indicativas da análise de problemas que poderiam oferecer um diagnóstico mais abrangente (Quadro 2.5). A lista não é exaustiva, mas poderia, todavia, ser utilizada como base para a preparação de uma lista mais extensa de perguntas-chave.

Intensificar o uso de provas poderia ainda levar a uma identificação de problemas mais apropriada e melhor priorização de ações (vide Capítulo 4 para discussões adicionais nesse tópico). Uma fase diagnóstica robusta requer informações de alta qualidade aliada às excelentes competências em análise de dados e avaliação de política. No caso do Brasil, a fragmentação institucional do aparato de planejamento significa que a identificação de problemas e análises de diagnóstico sejam conduzidas por uma ampla gama de agentes (SEPLA, ministérios em exercício, SAE, IPEA, etc.). A equipe que lidera esse processo deve ser capaz de dominar diversos métodos de coleta de dados ou alcançar especialistas externos que os dominam (pesquisa documental, discussão de ideias, grupos focais, entrevistas, questionários orientados, levantamentos, etc. (Vági and Rimkute, 2018[36]) para os diferentes tipos de provas: i) provas científicas; ii) avaliação de políticas; iii) observações empíricas; e iv) pesquisas de opinião subjetiva (OECD, 2020[9]).

O CdG do Brasil poderia desenvolver padrões harmonizados para o uso de provas nas atividades de planejamento/identificação de problemas. Estudos preparatórios e perguntas da análise de problemas no Brasil são coordenados por diversas instituições com diferentes bases de informação e diferentes competências para documento estratégico. Um entendimento comum daquilo que é considerado prova qualitativa e apropriada poderia aprimorar a qualidade geral e a coerência dos documentos de planejamento/resultados. A OCDE recentemente realizou um levantamento para desenvolver princípios e padrões para mobilizar provas que visem a concepção de políticas, implementação e avaliação. Ao desenvolver e definir seus próprios padrões, o Brasil poderia fazer uso desse exercício e focar nos seguintes aspectos (OECD, 2020[9]):

  • Para serem apropriadas, as provas devem ser propositalmente relevantes às diversas considerações de políticas e ao contexto local, permitindo a consideração de alternativas e utilidade para se atingir as metas da política (OECD, 2020[9]). No contexto da análise de problemas, também deveria ser útil identificar os efeitos positivos e negativos da intervenção do governo.

  • A qualidade de provas pode ser amparada pelo estabelecimento de normas, de interesse particular durante a fase de análise de problemas do planejamento estratégico, tendo os seguintes padrões de provas:

    • Padrões acerca da síntese de provas: As sínteses de provas são revisões completas de literaturas, incluindo avaliações do impacto, que ajudam a manter os legisladores e praticantes informados sobre o que funciona, como e qual dano acidental poderia surgir (OECD, 2020[9]). A boa prática em termos de gestão do conhecimento poderia ditar se os legisladores podem e devem avaliar a qualidade da síntese de provas e se empenhar para fundamentar as políticas em um conjunto completo de provas em vez de um único estudo (OECD, 2020[9]).

    • Teoria da mudança e lógica sustentando uma intervenção: A teoria da mudança poderia ajudar os legisladores a identificarem se a intervenção deve funcionar (OECD, 2020[9]). Em essência, há um conjunto de suposições interrelacionadas explicando como e por quê uma intervenção provavelmente produzirá os resultados desejados (OECD, 2020[9]).

    • Normas acerca da concepção e desenvolvimento de políticas e programas focados em provas que testam a viabilidade de entregar uma política em prática (OECD, 2020[9]).

Conforme o delineado no Capítulo 5 desta análise, as recentes experiências dos países-membros da OCDE indicam que quando o processo de planejamento está aberto e inclui o engajamento6 da parte interessada e abordagens orientadas pelos cidadãos por meio de mecanismos de participação de cidadão7, o planejamento estratégico pode aumentar a legitimação da produção de políticas e aumentar a sustentabilidade das políticas além do ciclo eleitoral (OECD, 2020[22]). O Quadro 2.6 delineia alguns exemplos de sucesso da Itália, Lituânia e Irlanda do Norte (Reino Unido) de estratégias que envolveram extensas consultas públicas e/ou processos de engajamento das partes interessadas. A inclusão de diversas perspectivas durante o processo de planejamento pode melhorar a qualidade da análise de problemas e eventualmente a implementação do plano (Burby, 2003[39]; Bryson, 2011[1]). As provas também tendem demonstrar como o engajamento dos cidadãos pode oferecer uma via pra instruir os servidores sobre problemas específicos e informar soluções propostas (Blair, 2004[40]). Em um sentido mais limitado, o engajamento do efetivo em todas as esferas do governo pode se beneficiar da ligação entre o planejamento estratégico e os resultados, considerando o conhecimento adquirido sobre suas respectivas áreas de organização (Donald, Lyons and Tribbey, 2001[41]).

Em anos recentes, o Brasil multiplicou as oportunidades e ocasiões para engajar partes interessadas e a sociedade civil mais amplamente no processo federal de planejamento, a saber durante as consultas para a elaboração do PPA e por meio da organização de “conferências nacionais” em áreas temáticas. A elaboração do PPA 2020-2023 foi caracterizada por um grau elevado de colaboração com a sociedade civil. Pela primeira vez, a interação com a sociedade civil durante o processo de elaboração ocorreu eletronicamente, estendendo o alcance territorial do processo de consulta. A Secretária de Avaliação, Planejamento, Energia e Loteria (SECAP) do Ministério da Economia, em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), lançou uma consulta social online para a elaboração do PPA 2020-2023 em junho de 2019 (SECAP/Ministério da Economia, 2019[42]). O resultado desse processo de consulta ficou em torno de 2.100 participações, 193 propostas de mudanças no programa e 1.815 concordâncias de propostas (SECAP/Ministério da Economia, 2019[42]). No entanto, não ficou claro quantas propostas foram incluídas no produto final. O processo de elaboração, todavia, não incluiu os órgãos colegiados ou outros órgãos representativos. A elaboração da Estratégia Nacional para o Desenvolvimento Econômico e Social (ENDES), a precursora da EFD, incluiu uma audiência pública e grupos de trabalho de diversos interessados. Muito do material resultante foi subsequentemente utilizado como base para criar o texto definitivo da EFD. Embora a recente digitalização de um número de ponto de iniciativas de participação social rumo a um compromisso para engajar de forma ampla com a população brasileira, independentemente da localização geográfica, esforços devem ser enviados para apontar o envolvimento de grupos sub-representados incapazes ou que não desejam participar.

Em nível federal, as responsabilidades institucionais ligadas à participação dos cidadãos e partes interessadas são compartilhadas por três instituições públicas: a Secretaria de Governo da Presidência da República (SEGOV), a Casa Civil e a Controladoria-Geral da União (CGU). A Secretaria Especial de Articulação Social (SEAS) na SEGOV está encarregada de supervisionar a agenda de participação (Lei 13.844/2019) enquanto o Decreto 9.759/2019 determina que a Casa Civil coordene a participação de instituições públicas federais nos órgãos colegiados (conselhos e conferências nacionais) e o Decreto 9.191/2017 estabelece que a Casa Civil é a entidade responsável por aprovar e coordenar consultas públicas organizadas por instituições públicas federais. Não obstante, nem a SEGOV nem a Casa Civil parecem ter produzido modelos detalhados ou orientação específica sobre como desenvolver uma estratégia de parte interessada ou diretrizes harmonizadas para realizar uma consulta pública eficaz.

Conferências nacionais são utilizadas para envolver partes interessadas em áreas de política setorial, mas seus objetivos são, muitas vezes, incertos e permanecem suficientemente ligados ao processo de planejamento setorial e governamental como um todo. Desde o início dos anos 2000s, o Brasil testemunhou um aumento no número de conferências nacionais, mobilizando milhões de cidadãos, organizados em torno de áreas de política setorial (IPEA, 2015[10]). A conferências é um processo participativo nacional organizado periodicamente, para coletar todas as partes interessadas relevantes a fim de avaliar a situação e propor diretrizes para a formulação de políticas na área de política dedicada. As conferências são processos multiníveis com estágios na esfera municipal, estadual e federal, normalmente formuladas em torno de uma pergunta específica ou uma questão de política. O resultado principal produzido por esses eventos é um documento final contendo propostas, que pode variar de números de dois a três dígitos (IPEA, 2015[10]). O IPEA identificou três fatores que limitam a capacidade dessas conferências influenciar nas pautas do governo e prioridades (IPEA, 2015[10]):

  • Os objetivos da conferência não são claramente estabelecidos nem articulados, gerando expectativas diferentes entre as partes interessadas e o governo. Isso pode gerar uma repercussão na preparação das propostas durante a conferência.

  • Dentro do governo, a falta de orientação clara sobre como integrar as propostas da conferência no processo de planejamento confunde seu impacto potencial. A confusão torna-se aparente pela proporção de gestores que identificam essas conferências como disseminação ou eventos de informação em vez de meio para incluir as partes interessadas no processo de planejamento.

  • Por fim, as agendas da conferência não necessariamente se alinham ao processo de planejamento, enfraquecendo a integração das propostas nas estratégias setoriais ou de todo o governo.

Os mecanismos de participação dos cidadãos, tais como, consultas públicas, são amplamente utilizados pelos órgãos públicos e cada vez mais incentivam os cidadãos, mas não claramente alimentam o processo de priorização do governo. Mais recentemente, a Secretaria de Governo (SEGOV) lançou uma plataforma digital para promover a participação do governo (Quadro 2.7), embora muitas instituições utilizem seu próprio website para carregar suas consultas. Muitas das consultas organizadas por instituições públicas brasileiras se relacionam à elaboração dos regulamentos e, portanto, têm o potencial de verdadeiramente afetar o processo de priorização do governo. No entanto, as instituições públicas como um todo e o CdG em particular não possuem abordagens harmonizadas para a organização das consultas, não sistematicamente oferecem feedback aos participantes nem comunicam os resultados do processo e raramente avaliam o processo.

O CdG do Brasil implantou um número de medidas para garantir que o engajamento das partes interessadas seja inclusivo e melhor integrado no processo de planejamento e estabelecimento de prioridades. Em particular, o CdG deve fornecer orientações para assistir os órgãos públicos a esclarecerem os objetivos da participação dos cidadãos e atividade de engajamento das partes interessadas que desenvolvem, o que pode variar de informação à criação conjunta. O CdG também deve ajudar a promover e facilitar uma cultura administrativa de apoio, por exemplo, fornecendo orientação sobre como conceber estratégias de engajamento de partes interessadas em nível setorial ou agência, e ferramentas sobre práticas participativas como é o caso na Nova Zelândia e Reino Unido (UK Government, 2021[45]; New Zealand Government, n.d.[46]). Por fim, a estrutura institucional do engajamento de partes interessadas deve ser reforçada para construir rodadas de feedback efetivas, usando essas iniciativas para informar decisões no prazo devido e providenciando feedback às partes interessadas sobre como suas informações foram utilizadas.

Além de mecanismos de planejamento, os regulamentos também constituem uma ferramenta importante para atingir metas de prioridade social, econômica e ambiental. Para maximizar a eficiência e minimizar externalidades negativas em potencial, as análises de impacto regulatório (AIRs) fornecem aos tomadores de decisão informações cruciais sobre se e como regular para se obter os objetivos de políticas públicas e defender sua decisão para intervir ou não (OECD, 2020[47]).

O Governo Federal recentemente começou a implementar uma estrutura de governança mais robusta para as AIRs. Em 30 de junho de 2020, o Brasil emitiu o Decreto 10.411, derivado de um estatuto de 2019 , que dispõe as condições sobre as quais as AIRs devem ser conduzidas e estabelece os requisitos mínimos para seu conteúdo. Sob essas novas orientações, a maioria dos regulamentos deve agora ser precedido por uma AIR, excluindo algumas medidas emergenciais, atos desreguladores, aqueles de “significado limitado” e outros. Embora haja casos legítimos para isenções das AIRs, muitas podem oferecer oportunidades para a administração a fim de utilizar brechas para evitar conduzir essa análise (OECD, 2020[47]).

A Secretaria de Advocacia da Concorrência e Competitividade (SEAE) do Ministério da Economia, responsável por indicar sua opinião, quando considerada pertinente, sobre os impactos regulatórios das minutas e propostas para alterar atos normativos de interesse geral a agentes econômicos, consumidores ou usuários de serviços submetidos a consulta pública, incluindo suas AIRs (artigo 9, parágrafo 7 da Lei de Agências Reguladoras, aligado ao artigo 20 do Decreto das AIRs; artigos 119 e 120 do Decreto 9.745/2019). A SEAE revisa a qualidade das AIRs e os regulamentos e se expressa nesses pontos de maneira não vinculativa. Também age como o órgão responsável por disseminar boas práticas regulatórias e como um agente ativo para a simplificação administrativa e por reduzir a carga regulatória, com a publicação de manuais e ferramentas (Manual para Análise de Impacto Regulatório, Manual para Desregulação, CalReg [Calculadora de Custo Regulatório], etc.), além de promover reuniões regulares entre os órgãos reguladores da administração pública federal.

A OCDE desenvolveu princípios de melhores práticas para as AIRs que poderiam proporcionar ao Brasil um “instrumento prático para melhor conceber e implementar seus sistemas e estratégias de AIR” a fim de alcançar os objetivos públicos (OECD, 2020[47]). Esses princípios são estruturados em torno de cinco pilares:

  • Compromisso e comprometimento para as AIRs.

  • Governança das AIRs – tendo a configuração correta ou a concepção do sistema.

  • Incorporação das AIRs por meio do fortalecimento da capacidade e prestação de contas (accountability) da administração.

  • Metodologia de AIR visada e apropriada.

  • Monitoramento contínuo, avaliação e melhoria das AIRs.

O objetivo deste capítulo não é fornecer uma avaliação profunda da atual estrutura regulatória no Brasil, no entanto, alguns poucos princípios relevantes de melhores práticas da OECD podem ser ressaltados no caso do Brasil, para ajudar a promover o uso de provas para se atingir prioridades estratégicas.

O artigo 7, parágrafo 1 do Decreto 10.411 indica que a escolha da metodologia específica utilizada para analisar os resultados de um regulamento deve ser justificado e apresentar uma comparação entre as alternativas sugeridas. Em outras palavras, os órgãos reguladores estão livres para escolher as ferramentas utilizadas para identificar e analisar os resultados, contanto que apresentem uma lógica. Essa abordagem está em linha com as melhores práticas da OCDE, pois os princípios ressaltam o fato de que a metodologia da AIR deve ser o mais simples e flexível possível, especialmente quando no modo “start-up” (OECD, 2020[47]). Todavia, a meta da administração que implementa a AIR deve visar fazer uma análise integral de custo-benefício para as AIRs (OECD, 2020[47]).

Além disso, apesar de esses novos procedimentos serem etapas positivas rumo a um sistema regulatório e de tomada de decisão com base e provas, os princípios de melhores práticas da OCDE para as AIRs sugerem que a qualidade das AIRs depende da identificação sistêmica dos problemas e estratégia de governança de dados e sistemas (OECD, 2020[47]). Por esse motivo, o governo do Brasil deve continuar a investir na criação de capacidade para promover a qualidade de sistemas de dados disponíveis e fornecer orientação suficiente e treinamento para formadores de políticas a fim de obter competências em termos de coleta de dados e análise. Nesse sentido, as melhorias às infraestruturas de governança de dados e esforços para melhorar as competências analíticas dentro dos ministérios em exercício também se beneficiariam de um sistema de planejamento mais amplo.

Por fim, pelo fato de as AIRs produzidas pelos ministérios em exercício serem supervisionadas pelo Ministério da Economia, o CdG deve garantir que desenvolve mecanismos em colaboração com o ministério para garantir que as AIRs em produção sejam consideradas no processo de priorizações no CdG.

Para que a implementação seja efetiva, o planejamento precisa ser sistemático e simplificado, garantindo o alinhamento entre os planos em médio e longo prazos, mecanismos setoriais e de todo o governo, além de equilibrar a autonomia do estado com a necessidade de traduzir decisões estratégicas no nível territorial (OECD, 2020[22]). O renascimento de planejamento no Brasil desde os anos 2000 não foi acompanhado por mecanismos suficientes de articulação a fim de garantir que as atividades e metas se alimentem com o passar do tempo para melhorar os resultados.

No entanto, é absolutamente essencial observar que esses sistemas de planejamento hierárquicos, em cascata sejam densos e complexos e, por isso, muitas vezes os governos lutam para transformá-los em estruturas de desempenho real ligando a priorização de alto nível com a implementação, em vez de ferramentas de rastreio dos gastos/relatórios. Em outras palavras, estratégias de todo o governo muito bem alinhadas, estratégias setoriais e estratégias estaduais não serão úteis na condução de fato da administração pública se não refletem uma visão global que afeta toda a ação pública e visa empregar recursos coordenados em torno de um conjunto limitado de prioridades definidas pelo CdG (veja uma discussão mais profunda sobre as estruturas de desempenho no Capítulo 1).

A articulação clara e explícita de instrumentos de planejamento estratégico permite que recursos limitados do governo estejam focados em poucas prioridades de política, enquanto esclarece como esses esforços contribuem mais amplamente para outras ambições estabelecidas. Apesar de o desenvolvimento e as reformas sejam complexos e evoluam em vez de processos lineares (Rao, 2014[48]), articulando objetivos estratégicos entre os diferentes cronogramas é fundamental para garantir que os planos promovam sinergias inviabilizem esforços contraproducentes e apresentem uma visão coerente para o país. Isso é particularmente verdadeiro no Brasil que enfrenta diversos desafios transversais em curto, médio e longo prazos, incluindo, entre outros, gerenciar a recuperação socioeconômica da pandemia de COVID-19 em curto prazo, tratando da desigualdade arraigada em médio prazo, e as ameaças existenciais, tais como mudanças climáticas (Huck, 2020[49]). No Brasil, a existências de diversas estratégias de todo o governo é uma complicação do sistema de planejamento e reflete o foco esmagador do CdG no processo. Todavia, esclarecer sua articulação garantindo que as metas se alimentem poderia ajudar a garantir sua eficácia.

Nesse sentido, a articulação entre a Estratégia Federal de Desenvolvimento (EFD) e o Plano Plurianual (PPA) 2020-2023 (e PPAs subsequentes) é bastante interessante. Durante a elaboração do PPA 2020-2023, apenas os Estudos Preparatórios para a Elaboração da Estratégia Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (ENDES), que constituiu a base da EFD, estavam disponíveis. Para tanto, a ligação principal entre o PPA e a EFD abrange os cinco eixos temáticos da EFD, que são espelhados no atual PPA estratégico. No entanto, conforme o descrito na seção acima sobre documentos de planejamento no Brasil, o nível operacional do PPA não está ligado ao nível estratégico por meio de uma relação causal explícita entre o desempenho de um programa e a conformidade com as diretrizes. Com tal, a articulação entre os programas do PPA e a EFD é deficiente. A EFD em seu formato atual, todavia apresenta uma importante contribuição potencial na preparação do Plano Plurianual seguinte.

Os documentos de planejamento governamentais que operam em diferentes cronogramas no Brasil poderia ser melhor alinhado por meio de metas em cascata que se alimentam, acordos institucionais, sistemas de monitoramento e avaliação e ciclos de revisão. Pelo fato de a EFD ainda estar em elaboração durante a preparação do atual PPA, não há atualmente nenhuma articulação explícita e coerência desses dois planos. Integrar mecanismos de planejamento em médio prazo como o PPA a planos em longo prazo, tais como a EFD poderia ajudar a garantir que a ação do governo seja guiada de maneira coerente e que os objetivos em médio prazo alimentem metas em prazos mais extensos. Certamente, o parágrafo único do decreto que estabelece a EFD revela que “As revisões dos planos estratégicos institucionais dos órgãos e das entidades integrantes – com as linhas da EFD – que constituem parte do Sistema de Organização e Inovação Institucional do Governo Federal (SIORG), considerarão o Plano Plurianual da União (PPA)” (Decreto 10.531). Incluir e alinhar indicadores usados em ambos os documentos em futuras iterações do PPA poderia servir para esclarecer a articulação entre esses dois instrumentos. O alinhamento e a integração dos mecanismos de planejamento entre os diferentes prazos em ações climáticas propiciam uma visão adicional às melhores práticas (Quadro 2.8).

Além disso, algumas estratégias nacionais operam nas mesmas linhas temporais que a EFD e o Plano Plurianual (PPA), mas são menos claramente definidas e não integradas nem articuladas com elas. Por exemplo, anunciado no verão de 2020, o Programa Pró-Brasil constitui uma atividade do Governo Federal para integrar e aperfeiçoar ações estratégicas que visam a recuperação e retomada do crescimento socioeconômico em resposta à crise de COVID-19. O governo não oficialmente formalizou esse programa, mas em torno de 140 projetos e investimentos integram sua minuta e são conduzidos pelos ministérios em exercício como ações estratégicas. As informações recebidas durante o curso desse projeto também sugerem que a Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos (SAE) está preparando sua própria estratégia em longo prazo para o país, apesar de seu valor agregado em comparação à EFD permanecer definido. O Quadro 2.9 se baseia na experiência da Polônia para ressaltar como um governo pode otimizar e racionalizar o cenário de documentos de planejamento estratégico em seu país.

Apesar de mecanismos formalizados para alinhar os mecanismos de planejamento de todo o governo com planos setoriais, o desalinhamento entre prioridades governamentais e setoriais é identificado como um grande desafio pelo CdG do Brasil. A maioria das instituições pesquisadas para essa análise identificou o desalinhamento entre prioridades governamentais e setoriais como um desafio com relação ao estabelecimento e priorização de objetivos estratégicos. Ainda assim, o Ministério da Economia destaca o fato de que os programas do PPA demonstram alinhamento com o planejamento setorial, apesar dos documentos de planejamento diferirem em termos de escopo, tempo, prazos e nível de detalhes (Ministério da Economia, 2019[27]). Certamente, como parte do esforço para simplificar o PPA, o governo brasileiro escolheu organizar o PPA em pastas setoriais. Além disso, os resultados intermediários do PPA derivam de Planos Estratégicos Institucionais (PEIs). Além disso, o artigo 2 do decreto que estabelece a EFD indica que os órgãos e entidades da administração federal considerarão em seus planejamentos e suas ações “os cenários macroeconômicos, as diretrizes, os desafios, as orientações, os índices-chave e as metas-alvo” estabelecidos no plano.

Esforços mais recentes focaram na gestão estratégica dentro dos ministérios em exercício e departamentos setoriais. A Instrução Normativa 24/2020 foi recentemente emitida pelo Ministério da Economia para regular uma gestão estratégica da administração pública na esfera federal, com enfoque pesado nos PEIs que possuem a mesma validade que o PPA. A secretaria de administração publicou uma série de documentos, incluindo o Guia Técnico de Gestão Estratégica, o Guia de Referência de Gestão de Projetos e a carteira de projetos, além de um guia de referência para a construção e análise de indicadores.

Desse modo, parece que o alinhamento fundamental do PPA com prioridades setoriais está bem estabelecido no Brasil, mas o CdG por outro lado parece se esforçar para desempenhar a função desafiadora e efetivamente relacionar os PEIs às prioridades governamentais. Conforme o descrito na seção anterior, os planos e estratégias governamentais existentes não identificam um conjunto claro de prioridades globais. Como tal, a orientação do Ministério da Economia foca na melhoria da maturidade de gestão estratégica e na qualidade técnica de seus PEIs, mas há pouca orientação ou supervisão para alinhar os PEIs com as prioridades governamentais. A Instrução Normativa 24/2020 declara que os PEIs devem ser anualmente revistos, aprovados e monitorados de maneira sistemática e contínua, por seus respectivos comitês de governança interna, previstos no Decreto 9.203/2017. No entanto, o CdG limitou recursos para garantir que os PEIs atualizados sejam, de fato, alinhados e coordenados com outros instrumentos de planejamento. A Secretaria de Gestão (SEGES), do Ministério da Economia, orienta os órgãos públicos e recomenda que seus PEIs sejam elaborados e relacionados a outros instrumentos de planejamento; no entanto, não são determinados a observar o conteúdo das PEIs em si ou analisar o alinhamento das PEIs com outros instrumentos de planejamento.

Além de uma melhor integração de estratégias governamentais e setoriais, um melhor alinhamento também requer a melhoria da capacidade intrínseca de planejamento setorial no Brasil. Planejamento setorial é uma prática bem institucionalizada no Brasil, notavelmente, por meio dos PEIs. Entretanto, o CdG poderia oferecer orientação e treinamento adicional para criar mais sinergias entre os setores e facilitar a colaboração interministerial em questões transversais. Com base nas provas coletadas para esse projeto e ressaltadas em outros estudos, duas dimensões são de importância particular da perspectiva da OECD:

  • Assimetria nas competências e recursos dedicados ao planejamento entre os ministérios em exercício, com qualidade desigual na concepção, implementação, monitoramento e avaliação da estrutura (Chiavari et al., 2020[26]).

  • O regime de planejamento não incentiva a colaboração interministerial e, como tal, diversas agências sobrepostas operando nos mesmos setores muitas vezes desenvolve planos sobrepostos. Um exemplo disso é o setor de transportes terrestres, que emitiu cinco planos para o setor desde 2008, criados por diversas agências governamentais e sem uma interface efetiva, entre eles, e nenhum deles foi formalmente revogado (Chiavari et al., 2020[26]).

O CdG no Brasil ainda desempenha um papel na melhoria da harmonização dos planos setoriais e seu alinhamento com as prioridades nacionais. Algumas boas práticas internacionais poderiam fornecer algumas visões úteis para o CdG do Brasil (Quadro 2.10). Não obstante, alinhar e integrar planos estratégicos não irá contribuir para melhorar produção de políticas focadas em resultados se não houver nenhuma discussão estruturada sobre as prioridades de política no CdG.

O Brasil se depara com um desafio único aos países federativos: criar uma estrutura administrativa centralizada o suficiente para tomar decisões nacionais e descentralizada o suficiente para funcionar com base nessas decisões. Contudo e apesar de uma estrutura legal para esse efeito, o Brasil não alcançou esse equilíbrio no planejamento estratégico. Nesse aspecto, um dos principais desafios da governança multinível que o governo do Brasil em si ressaltou é sua incapacidade relativa de traduzir decisões estratégicas nacionais com parceiros de estado em políticas concretas no nível estadual territorial. O alinhamento das estratégias locais com estratégias do governo federal depende em grande extensão da articulação e aprovação de regulamentos pelo Congresso Nacional. Por esse motivo, a dimensão não depende exclusivamente aos membros do CdG, pois pertencem à autonomia de entidades federativas. Não obstante, conforme o explicado abaixo, o CdG pode desempenhar uma função ajudando a fomentar sinergias para produzir melhores resultados em nível local.

O alinhamento do planejamento estadual e nacional está consagrado na legislação brasileira. De acordo com a constituição, o Plano Plurianual (PPA) define, em base regionalizada, as diretrizes, objetivos e metas para o país em um período de quatro anos. Adicionalmente, o artigo 165, parágrafo 4 da Constituição dita que os planos e programas nacionais, regionais e setoriais previstos nesta Constituição serão elaborados em consonância com o PPA e apreciados pelo Congresso Nacional. Na prática, as partes interessadas identificaram o desalinhamento de planos regionais e nacionais como um grande desafio. Em particular, indicaram que os estados e municípios possuem autonomia constitucional e podem ou não considerar o plano plurianual do governo federal em seus planos. Além disso, outros apontaram para o fato de que o alinhamento era esporádico e não conduzido pelo CdG. Consulte o Quadro 2.11 para um exemplo de alinhamento funcional entre os planos estaduais e prioridades nacionais no estado mexicano de Guanajuato.

Harmonizar mecanismos de planejamento estadual e nacional requer uma interface clara e bem definida no CdG, ditada para coordenar e interagir com os estados. As entrevistas realizadas com as partes interessadas durante esse projeto revelaram que não pareceu ser um consenso na função do CdG coordenar com os estados em nível estratégico. Além disso, as respostas ao questionário indicam que há um nível de confusão quanto qual seria a unidade do CdG responsável por essa tarefa. Dentre os outros, foram listados o Ministério da Economia, a Subchefia de Articulação e Monitoramento (SAM), a Secretaria de Governo (SEGOV) e a Secretaria Especial de Relações Governamentais (SERG). Isso provavelmente gerará confusão considerável quando visto da perspectiva estadual. O governo do Brasil, assim como todos os governo federativos, confia em suas contrapartes estaduais para a real implementação de muitos objetivos de políticas encontrados no PPA e na EFD (Artigo 165, parágrafo 1 da Constituição Federal). Dada a importância dos governos estaduais na consecução de ambições nacionais, é vital que esses relacionamentos atuem e o CdG claramente desempenhe um papel para torná-los eficientes e eficazes.

O alinhamento e a harmonização do planejamento estadual com as estratégias nacionais é, portanto, um componente crucial para fomentar a implementação de estratégias nacionais e a consecução de prioridades governamentais. Essa tarefa permanece desafiadora no Brasil pois o estímulo para o alinhamento deve ser equilibrado com os princípios da autonomia estadual.

Nos últimos anos, a reforma do ambiente de negócios surgiu como uma prioridade transversal e de alto nível para o governo do Brasil. O objetivo desta reforma ou programa é simplificar a composição e operação de negócios e atrair investimentos estrangeiros diretos por meio de um contexto institucional melhorado enquanto aperfeiçoa sua posição nos rankings internacionais de ambiente de negócios (em particular o Índice Doing Business do Banco Mundial). No contexto desse esforço de reforma, o Brasil promulgou a nova Lei de Melhoria do Ambiente de Negócios (Lei 14.195/2021), desenvolveu diversos memorandos de entendimentos que estabelecem planos para modernizar o ambiente de negócios e implementou diversas iniciativas de política.

O planejamento e a priorização da reforma do ambiente de negócios no Brasil se beneficiaram de claras autoridades com relação à direção e coordenação desse domínio, da forma delineada no Capítulo 1. Com relação ao planejamento, esse nível acrescido de coordenação gerou claras linhas de prestação de contas (accountability) e objetivos complementares. Contudo, o CdG do Brasil poderia aprender dessa experiência para fortalecer ainda mais seus mecanismos de planejamento estratégico e priorização, com a ambição de guiar sua estrutura de planejamento nacional rumo aos resultados.

As práticas de previsão estratégica não foram implantadas durante a elaboração e a implementação das últimas reformas do ambiente de negócios no Brasil. O governo do Brasil e a Secretaria Especial de Modernização do Estado (SEME/PR) em particular poderiam considerar desenvolver ou explorar as capacidades de previsão para “comprovar futuramente” seus esforços de reforma e potencialmente maximizar seu retorno. Outros países tem implantado com sucesso essas ferramentas e práticas para aumentar sua competitividade global. Por exemplo, na Malásia, a Estrutura de Ciência, Tecnologia, Inovação e Economia da Malásia (MySTIE) foi lançada em 2020 (SOIF, 2021[21]). Essa estrutura faz uso de abordagens preditivas para identificar condutores globais de ciência e tecnologia que poderiam aumentar o retorno sobre o valor de condutores socioeconômicos da Malásia. O objetivo dessa iniciativa é garantir que as políticas de ciência, tecnologia, inovação e desenvolvimento econômico aumentem o crescimento econômico e a competividade global na Malásia (SOIF, 2021[21]). Os esforços para institucionalizar ainda mais as práticas de previsão estratégica no sistema de planejamento do Brasil, da forma delineada na seção anterior deste capítulo, poderiam se beneficiar dos resultados para essa prioridade de alto nível.

O recente impulso para a reforma do ambiente de negócios no Brasil resultou da declaração do Presidente Bolsonaro no Fórum Econômico Mundial realizado em Davos em 22 de janeiro de 2019, em vez do sistema de planejamento do governo englobado pelo PPA, pela Estratégia Federal de Desenvolvimento ou sua antecessora, a Estratégia Nacional para o Desenvolvimento Econômico e Social. Isso tende a confirmar o diagnóstico delineado anteriormente neste capítulo que sugere que o sistema de planejamento do governo existente não funciona atualmente como uma ferramenta para identificar prioridades, providenciar uma lógica para sua seleção e conduzir todo o governo rumo a essas metas. Idealmente, os documentos de planejamento do governo em médio e longo prazo deveriam funcionar como ferramentas para que o CdG possibilite a disseminação de uma mensagem clara e coerente para a administração acerca das prioridades de alto nível.

Por todas as trocas da OCDE com a SEME e a Secretaria de Advocacia da Concorrência e Competitividade (SEAE), as relações entre a reforma do ambiente de negócios, o PPA e a Estratégia Federal de Desenvolvimento (EFD) foram, de fato, destacadas. Por exemplo, no escopo da EFD para o Brasil no período de 2020 a 2031, estabelecido pelo Decreto 10.531, os seguintes eixos temáticos, desafios e diretrizes se relacionam à melhoria do ambiente de negócios:

  • Aumentar a produtividade da economia brasileira, visando a expansão de esforços em educação, ciência, tecnologia e inovação. As diretrizes recomendam: "expandir mecanismos de incentivo para ações conjuntas entre instituições públicas e privadas, a fim de gerar um ecossistema de inovação mais simbiótico e um ambiente de negócios mais empresarial e dinâmico".

  • Expandir a competitividade do Brasil para se aproximar das economias em desenvolvimento, para a melhoria do ambiente de negócios.

De igual forma, o PPA possui três programas que se relacionam ao ambiente de negócios: 2201 - Brasil Moderniza; 2212 - Melhoria do Ambiente de Negócios e da Produtividade; e 2213 - Modernização Trabalhista e Trabalho Digno. No entanto, embora o projeto Doing Business e a reforma do ambiente de negócios mais no geral claramente alimentem essas metas e objetivos abrangentes, o PPA e a EFD não são catalisam nem orientam para a ação e, como tal, não são verdadeiramente utilizados como um meio para guiar e orientar o governo rumo aos resultados.

Em linha com as recomendações do Capítulo 1 sobre a criação de uma estrutura de desempenho do CdG orientada aos resultados, assim como as recomendações contidas neste capítulo, os órgãos do CdG, tais como, a Casa Civil, a SAE e o Ministério da Economia, poderiam trabalhar para definir e implementar um número limitado de metas orientadas aos resultados compartilhadas por todo o governo. As prioridades transversal de alto nível, tais como a reforma do ambiente de negócios, poderiam ser integradas nessa estrutura de gestão do desempenho, que inviabilizaria contradições e lacunas com outros esforços de reforma, identificar sinergias rumo a outras prioridades de alto nível e facilitar a entrega de resultados.

As medidas dentro do projeto Doing Business foram extensamente priorizadas para aumentar a classificação do Brasil no relatório Doing Business do Banco Mundial. Esse foco e uso de uma metodologia pré-existente geraram benefícios claros: e mais importante, permitiu que a SEME conduzisse os esforços do governo rumo a uma meta clara sem exaurir os recursos e capacidade no CdG. A primeira medida tomada foi identificar a classificação necessária para que o Brasil seja o 50o país no ranking Doing Business no relatório de 2023. Com base em uma metodologia validada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), o governo estabeleceu que, para figurar na 50a posição, o Brasil precisaria ter, pelo menos, 76.82 pontos em 2023. Com base nessa metodologia, o Brasil desenvolveu uma simulação para precisamente avaliar a posição do país.

Sob a coordenação da SEME, dez grupos temáticos de ação, organizados com alguns tópicos-chave identificados para aumentar o ranking do Brasil no relatório do Banco Mundial, foram incumbidos para realizar um diagnóstico e apresentar propostas para medidas e ações. Essa fase inicial foi caracterizada por uma série de reuniões com os grupos temáticos para não apenas identificar o que poderia ser atingido com base nas melhores práticas listadas pelo Banco Mundial, mas também identificar alguns dos mais apropriados para o Brasil. Cada grupo temático subsequentemente compartilhou uma proposta inicial para ação, a fim de alcançar o objetivo de 76.82 pontos. O resultado desses grupos de trabalho foi consolidado nos Planos de Modernização do Ambiente de Negócios (PMAs), para a criação de negócios, comércio internacional, pagamento de impostos, obtenção de crédito, registro de propriedades, insolvência, compra de energia, autorizações de construção, formalização de contratos, proteções a investidores minoritários). De fevereiro a agosto de 2020, esses planos de modernização estavam diretamente ligados a uma estrutura de desempenho por meio de memorandos de entendimento (MoUs) assinados por instituições líderes em cada área-chave. A reforma do ambiente de negócios no Brasil é, portanto, um poderoso exemplo de como relacionar o planejamento com as metas e resultados por meio de um número limitado de claras prioridades compartilhadas pelo governo, o engajamento intencional das partes interessadas e o suporte de uma estrutura de gestão do desempenho.

A eficácia da reforma do ambiente de negócios poderia, todavia, ser aperfeiçoada ainda mais por meio de um ajuste fino nas metas de ação estabelecidas nos MoUs e PMAs. De fato, esses MoUs e PMAs ligados a eles são estruturados em torno de um objetivo global ligado ao relatório do Banco Mundial, seguido pelas ações transversais e específicas associadas e seu impacto potencial na classificação do Brasil para esse indicador específico. Essa estrutura garante que as ações ou objetivos do MoU sejam relevantes, pois foram selecionados para seu impacto no relatório Doing Business do Banco Mundial. Ainda, o processo colaborativo que levou à criação desses planos de ação e MoUs deve ser um bom indício de que as ações e metas relacionadas sejam atingíveis. Por fim, as metas de ação transversais e específicas relacionadas nos planos de modernização ligados aos MoUs todas sejam estabelecidas com prazos. Não obstante, a qualidade das metas de ação listadas se difere substancialmente. Em particular, nem todas as metas de ação são suficientemente específicas ou mensuráveis, o que poderia prejudicar a implementação e o monitoramento da reforma.

Por vezes, as metas listadas nos MoUs são insuficientemente específicas: por exemplo, uma das ações listadas no MoU em “obtenção de energia” é “eliminar ou reduzir o passo de solicitar, aguardar e aceitar o orçamento”, que seria benéfico se fosse menos ambíguo. De modo similar, algumas das ações listadas no plano de modernização para “obtenção de crédito” são mais semelhantes às promessas para definir objetivos futuros com, por exemplo, um item, a saber, “definir os itens elegíveis a serem pontuados a fim de aumentar o índice de eficiência dos direitos legais em 04 pontos”. Também não ficou claro porque essa ação está associada a um aumento potencial de dez pontos no ranking do Banco Mundial.

Por fim, a implementação e monitoramento da reforma do ambiente de negócios poderia ser facilitada por um esforço rumo a metas de ação mais facilmente mensuráveis (vide o Capítulo 4 para uma discussão mais detalhada sobre essa questão). Por exemplo, uma das ações listadas no MoU em “obtenção de licenças e formalização de contratos” é “implementar o Portal de Licenciamento SP”. Essa meta poderia ser facilmente transformada em um conjunto de objetivos mensuráveis e quantificáveis. Atualmente, seria difícil avaliar a extensão na qual esse item seria cumprido.

O CdG do Brasil poderia aproveitar essa oportunidade para desenvolver metas de resultado ligadas à reforma do ambiente de negócios fora do ranking Doing Business do Banco Mundial. Apesar de aplicar uma metodologia internacional apresentar vantagens definidas e ser bastante engenhosa em termos de operação sob capacidade limitada, possui alguns inconvenientes definidos. Em primeiro lugar e pelo fato de o Brasil agora ter experimentado de primeira mão, caso o ranking desapareça, medir e comunicar os sucessos será mais difícil para o governo. Em segundo lugar, por natureza, a metodologia usada pelo Banco Mundial visa a comparação entre países e poderia, portanto, obscurecer os sucessos ou as deficiências em nível nacional (vide o Capítulo 4 para uma discussão mais profunda sobre a questão). Pensar nas metas de resultado fora do ranking do Banco Mundial poderia ser útil na personalização, ainda mais na reforma das necessidades do Brasil. Enquanto melhorar a pontuação do Brasil no Doing Business é uma propriedade completamente legítima, um engajamento construtivo com a reforma do ambiente de negócios poderia mediar esse objetivo global e fazer uso das iniciativas concebidas para consecução a fim de cumprir outas metas de resultado.

De nota particular tem-se o processo de engajamento extensivo de partes interessadas que fundamentou o processo de planejamento dos esforços da reforma do ambiente de negócios conduzidos pelo governo. No início em 2019, esforços globais foram iniciados com autoridades subnacionais, mais notavelmente os governos de São Paulo e Rio de Janeiro, assim como com os prefeitos de suas respectivas capitais. Essas trocas visaram promover um consenso e todo de objetivos compartilhados para a reforma do ambiente de negócios. Ao final de fevereiro de 2019, foi realizado um evento nas capitais com a presença do Ministro da SG-PR, governadores e prefeitos, visando concordar com ações para melhorar o ambiente de negócios. Além desse esforço global perante autoridades subnacionais, a SEME também obteve engajamento e contribuições dos órgãos do governo responsáveis pelos processos medidos pelo relatório Doing Business por meio dos grupos de trabalho descritos nas seções anteriores. Esse nível de engajamento gerou a inclusão de outras medidas que não diretamente afetaram o ranking do Brasil no relatório do Banco Mundial, mas foram, não obstante, ressaltadas como uma questão recorrente pelas partes interessadas nacionais. Além disso, a Lei de Melhoria do Ambiente de Negócios (Lei 14.195/2021), resultante da Medida Provisória 1040/2021, passou por uma consulta pública e uma audiência pública virtual dentro do escopo da Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços da câmara dos deputados do Congresso Nacional. O texto inicial foi produzido pelo executivo com a colaboração de muitas ONGs (especialmente do setor da indústria e comércio). A Medida Provisória foi então apresentada ao Congresso e sujeita à consulta pública. Algumas das opiniões encaminhadas aos cidadãos foram então refletidas por emendas à medida proposta pelos membros do Congresso.

A reforma do ambiente de negócios também se beneficiou de um esforço do CdG para harmonizar e consolidar a base de prova ligadas a esse assunto. Por exemplo, a SEME coordenou com sucesso uma atualização e dados com o grupo temática de ação visando transmitir informações da equipe do Banco Mundial sobre as reformas e correções aos dados do país. Apesar de o relatório do Banco Mundial ter sido suspenso no momento, esse esforço de coleta de dados e verificação é crucial para garantir e melhorar a qualidade geral e coerência dos documentos e resultados de planejamento.

Por décadas de prática de planejamento, o CdG no Brasil desenvolveu um sistema institucional bem consolidado, porém fragmentado para o planejamento. De fato, com o passar do tempo, o país adquiriu estruturas institucionais dedicadas, unidades legalmente incumbidas e pessoal altamente treinado e competente para o planejamento. No então, a função de planejamento se tornou fragmentada por todo o governo, o que levou a algumas lacunas e sobreposições nos mandatos e atividades entre as unidades. Essa fragmentação é agravada por baixos níveis de colaboração institucional em algumas áreas (vide o Capítulo 1) que inibem a capacidade de governo identificar claras prioridades de políticas, tratar de desafios multidimensionais e atingir seus objetivos estratégicos.

O sistema de planejamento no Brasil é caracterizado por um foco no processo, algumas vezes, à custa dos resultados. Isso está, por exemplo, refletido na multiplicidade de planos e mecanismos que existem entre os cronogramas, setores e esferas de governo e, muitas vezes, carecem de relações significativas para promover sinergias ou identificar contradições entre si. Nesse sentido, o CdG do Brasil poderia eliminar documentos supérfluos, que apenas influam a complexa rede de documentos, e desenvolver algumas ferramentas para garantir que as atividades e metas delineadas nos diferentes planos se alimentem com o passar do tempo para melhorar os resultados gerais. Em tese, mesmo os sistemas de planejamento bem alinhados, e em cascata serem densos e complexo, serão inutilizados na condução verdadeira da administração pública se não refletirem uma visão global que afeta toda a ação pública em torno de um conjunto limitado de prioridades definidas e conduzidas pelo CdG.

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[6] Walker, R. and R. Andrews (2015), “Local government management and performance: A review”, Journal of Public Administration Research and Theory, Vol. 25/1, pp. 101-103.

Observações

← 1. Aqui fragmentação significando diversos níveis ou órgãos que executam as funções similares ou tratam de um desafio similar.

← 2. Informações fornecidas no contexto deste projeto pelo governo do Brasil.

← 3. I – Execução financeira acumulada, acima dos 20% de seu custo total estimado na data-base de 30 de junho de 2019; II – Ausência de impedimento à execução imediata ou existência de impedimento remediável até 2020; III – Conclusão prevista dentro do prazo do PPA 2020-23.

← 4. Informações fornecidas em resposta ao questionário da OECD.

← 5. I - Execução financeira acumulada, acima dos 20% de seu custo total estimado na data-base de 30 de junho de 2019; II – Ausência de impedimento à execução imediata ou existência de impedimento remediável até 2020; III – Conclusão prevista dentro do prazo do PPA 2020-23.

← 6. Partes interessadas são qualquer parte interessada e/ou afetada, incluindo instituições e organizações, governamentais ou não governamentais, da sociedade civil, academia, mídia ou o setor privado.

← 7. Cidadãos são pessoas, independentemente de sua idade, gênero, orientação sexual, afiliação religiosa ou política e, em sentido mais amplo, “habitante de um local em particular”, que pode ser em referência a uma vila, cidade, município, região, estado ou país dependendo do contexto.

← 8. Consulte https://www.gov.ie/en/publication/7e05d-programme-for-government-our-shared-future/ .

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