1. Atenção Primária à Saúde no Brasil: Avaliação e recomendações

O Brasil tem um sistema de atenção primária à saúde (APS) que funciona relativamente bem e é bem-organizado, resultado do compromisso contínuo de fornecer APS de alta qualidade para toda a população. A Estratégia de Saúde da Família (ESF), um dos maiores programas de APS de base comunitária do mundo, ampliou com sucesso a cobertura populacional e melhorou os principais desfechos de saúde. Desde o lançamento da estratégia em 1994, a população brasileira tem acesso gratuito aos serviços preventivos e de APS, prestados por equipes multidisciplinares da ESF. A expansão da ESF contribuiu para melhorias mensuráveis nas taxas de mortalidade infantil, saúde materna, adesão à imunização e hospitalização evitável por doenças crônicas. Por exemplo, as taxas de mortalidade infantil diminuíram de 30,3 mortes por 1.000 nascidos vivos em 2000 para 12,4 mortes por 1.000 nascidos vivos em 2019. A expectativa de vida ao nascer aumentou 5,7 anos entre 2000 e 2019, de 70,2 anos para 75,9 anos. Além disso, lançado em 2011, o programa Requalifica USB possibilitou um grande investimento público para expandir o abastecimento e o equipamento das unidades de APS. Ainda hoje, o investimento em APS é de alta prioridade para o governo federal: em 2020, foi destinado um orçamento de R$ 20,9 bilhões (reais) à APS (US$ 3,8 bilhões), ante R$ 17,5 bilhões em 2019 (US$ 3,2 bilhões) (CONASEMS, 2020[1]). No contexto da pandemia de COVID-19, o governo federal forneceu assistência financeira e organizacional pontual para que as equipes de saúde da família (eSF) tratassem de casos de COVID-19 e de pacientes que não contraíram a COVID-19. Isso incluiu, por exemplo, o desenvolvimento de centros de atendimento especiais para a COVID-19, o desenvolvimento de padrões de segurança e protocolos para o tratamento de pacientes de alto risco.

Apesar do progresso, desafios importantes se apresentam para o Brasil. Apenas 65% da população é coberta pela ESF. Muitos pacientes ignoram a APS, procurando atendimento direto em clínicas ambulatoriais especializadas e hospitais, principalmente para condições que poderiam ser tratadas com mais eficiência no nível comunitário. Em parte, isso é resultado de desafios estruturais que tornam difícil para as eSF de alguns municípios cumprirem as funções de APS. Tradicionalmente, a APS realiza poucos procedimentos e cirurgias de baixa complexidade. Além disso, a expansão da APS foi marcada por grandes disparidades entre regiões e municípios. Os municípios mais vulneráveis e remotos das regiões Norte e Nordeste apresentam, de forma consistente, desfechos de saúde piores e qualidade em atenção à saúde inferior à média nacional. A proporção de internações por condições que poderiam ser tratadas de forma mais eficaz no âmbito da APS varia de 24% na região Sul a 40% na região Norte. Essas diferenças decorrem em parte da escassez de mão de obra e das disparidades na distribuição de médicos em áreas rurais e remotas. Além de o Brasil ter poucos médicos de APS, eles também estão altamente concentrados nas regiões Sul e Sudeste. Por último, mas não menos importante, como em todos os países da OCDE, o Brasil está enfrentando aumento no número de pacientes idosos e uma prevalência crescente de doenças crônicas não transmissíveis, incluindo câncer, diabetes e hipertensão (Quadro 1.1). Tais questões demandam trabalho de prevenção mais eficaz e uma APS mais robusta para administrar a evolução das necessidades de saúde e garantir uma população saudável e ativa em todo o país.

Diante desses desafios significativos, o Brasil introduziu pacote abrangente de políticas para modernizar e fortalecer a APS. Implementado em 2013, o Programa Mais Médicos (PMM) é considerado a maior iniciativa governamental mundial de recrutamento de médicos nacionais e estrangeiros para trabalhar na APS em municípios que enfrentam dificuldades de recrutamento e retenção desses profissionais. Até novembro de 2020, o PMM era responsável pela presença de 16.426 médicos em 3.837 municípios brasileiros. O programa também produziu resultados positivos em termos de investimento em instalações de APS, disponibilidade de médicos e desfechos de saúde (Hone et al., 2020[2]; Netto et al., 2018[3]).

As reformas também se concentraram no desenvolvimento de novos modelos de atenção, principalmente por meio do Núcleo Ampliado de Saúde da Família (NASF), que funciona com equipes multidisciplinares integradas que prestam amplo leque de serviços à comunidade. As Redes de Atenção à Saúde (RAS) têm sido desenvolvidas para integrar a atenção à saúde em diferentes setores e melhorar a atenção centrada nos pacientes no país. O Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ) tem sido importante ferramenta para monitorar e aprimorar o desempenho de unidades de APS. Por fim, o programa Previne Brasil, lançado em 2019, estabeleceu metas ambiciosas, como a introdução de novo esquema de financiamento baseado em modelo de capitação ponderada, componente de pagamento por desempenho e incentivos para ações estratégicas. O pagamento por capitação ponderada e o sistema de registro de pacientes associados são medidas bem-vindas para que se tenha melhor panorama das necessidades de saúde da população.

O programa Previne Brasil tem o potencial de melhorar o acesso à APS e promover cuidados extensos e coordenados, reduzindo também as desigualdades entre as regiões. Mas, o Brasil ainda tem um caminho a percorrer antes que os frutos dessa reforma sejam realmente sentidos em todo o sistema de APS. Em primeiro lugar, o país deve enfrentar diversos desafios que persistem em todo o setor de APS:

  • A ambiciosa agenda de reformas do Brasil deve ser acompanhada por uma liderança de coordenação central mais forte, com foco na melhoria da qualidade da atenção à saúde e no apoio aos municípios mais vulneráveis. Os órgãos do governo federal podem precisar desempenhar papel mais importante a esse respeito, já que os municípios mais carentes possuem infraestruturas mais fracas e capacidades reduzidas para prestar atendimento quando comparados às áreas de melhor desempenho. Ao mesmo tempo, o Brasil precisa apoiar o monitoramento e a melhoria da qualidade dos serviços prestados, por meio de mecanismos adequados para garantir a implantação em todos os níveis municipais; essas melhorias irão requerer colaboração e coordenação intergovernamental.

  • O Brasil deve reconhecer explicitamente o papel central da ESF na prevenção, tratamento e gerenciamento de doenças crônicas não transmissíveis, como diabetes e hipertensão. A capacidade de os pacientes acessarem cuidados especializados sem consulta prévia com uma eSF sugere que o potencial da APS para liderar a promoção da saúde, prevenção de doenças, tratamento e acompanhamento não está sendo cumprido.

  • Algumas estratégias-chave de qualidade estão subdesenvolvidas ou ausentes do setor de APS do Brasil, incluindo o estabelecimento de requisitos para credenciamento, educação médica continuada (EMC) e conformidade com as diretrizes clínicas. Atualmente, os sistemas de financiamento recompensam apenas superficialmente as melhorias na qualidade do atendimento. De modo geral, o Brasil carece de sistema de apoio para garantir melhoria contínua da qualidade da atenção, nos aspectos relacionados às equipes de ou das unidades de saúde.

  • Apesar da existência de inúmeras fontes de dados, os sistemas de informação de saúde do Brasil são insuficientes para fornecer quadro completo da eficiência e segurança da APS. A maioria dos indicadores se referem a entradas e processos, como número de eSF, pessoas cadastradas em eSF, agentes comunitários de saúde ou gestantes em atendimento pré-natal. Em relação ao atendimento oncológico, não existe sistema integrado de informação baseado em cadastro que permita avaliar a eficiência dos protocolos atuais de rastreamento e de tratamento do câncer.

  • Pouca atenção tem sido dedicada a aumentar a credibilidade e o reconhecimento da especialidade da APS, e à promoção da qualidade da força de trabalho. Dentro da APS, a especialidade de medicina da família e comunidade (MFC) é uma das mais preteridas entre os médicos. Além disso, a distribuição geográfica dos médicos é desigual, com escassez aguda de mão de obra nas áreas rurais e remotas.

  • O Brasil fez avanços significativos na construção de uma base para a APS digital, incluindo investimentos essenciais em redes, dados, interoperabilidade e aptidões. No entanto, o progresso na implementação de tecnologias digitais na APS tem sido lento e profundamente desigual em todo o país.

Este capítulo faz avaliação detalhada do sistema de APS do Brasil e propõe conjunto de recomendações para melhorá-lo. Ele considera quatro tópicos: 1) melhorar a qualidade da oferta de APS, 2) aumentar o rastreamento e prevenção das principais doenças crônicas não transmissíveis, 3) solucionar a escassez de mão de obra e 4) avançar na transformação digital da APS no Brasil.

O Brasil implementou conjunto de reformas importantes nas últimas décadas para melhorar o acesso à APS de alta qualidade e para desenvolver novos modelos de APS, principalmente por meio de centros de apoio à saúde da família. Esses centros dão às eSFs maior flexibilidade na gestão de sua prática de acordo com as necessidades de saúde da população, garantindo atendimento mais coordenado e integrado. A introdução das redes de atenção à saúde (Redes de Atenção à Saúde [RAS]) também é uma abordagem inovadora para a prestação de cuidados centrados no paciente. O objetivo geral é integrar a organização, o planejamento e a prestação de serviços de atenção à saúde (desde APS, saúde mental, saúde pública e atendimento de emergência, até atendimento especializado e atendimento hospitalar) em nível regional. As RAS são pactuadas por municípios e estados por meio de comissões interinstitucionais (Comissões Intergestores) de acordo com as necessidades de saúde da população e das capacidades locais.

Uma série de iniciativas de qualidade também foram introduzidas desde a implementação da Estratégia de Saúde da Família em 1994, incluindo o programa Requalifica UBS para expandir a disponibilidade e equipamentos das unidades de APS, o PMAQ e o PMM para recrutar e reter profissionais de APS. Dentre as novas ferramentas de monitoramento das atividades e da qualidade do atendimento, o Sistema de Informação da Atenção Primária à Saúde (SISAB) reúne número expressivo de indicadores que sustentam a APS, mas foca principalmente em indicadores de insumos e processos como o número de ESF, a quantidade de pessoas cadastradas em ESF, número de agentes comunitários de saúde e número de gestantes atendidas no pré-natal.

Também existem algumas diretrizes clínicas. O Ministério da Saúde emitiu vários Cadernos de Atenção Básica em Atenção Primária para ajudar as ESF a melhorar a prestação de APS de alta qualidade (Ministério de Saúde, 2021[4]). Os cadernos abordam doenças ou fatores de risco específicos, como atendimento ao tabagista, hipertensão arterial ou saúde mental. Embora tais diretrizes sejam úteis, os cadernos da APS ainda são definidos de maneira muito restrita e não atendem às expectativas dos pacientes quanto a atenção à saúde integrada. Além disso, faltam informações sobre seu uso eficaz. A implementação é de responsabilidade dos municípios, mas não há mecanismo em nível federal para monitorar o cumprimento, nem incentivos sistemáticos para aplicação das diretrizes. Dada a observação inadequada de acompanhamento do controle do diabetes e da pressão arterial para pessoas com hipertensão, a conformidade com as diretrizes de prática clínica é indiscutivelmente insatisfatória (Leite Simão et al., 2017[5]; da Silva Rêgo and Radovanovic, 2018[6]). Em geral, o Brasil carece de suporte de todo o sistema para garantir a melhoria contínua na qualidade da atenção à saúde nas equipes ou unidades de saúde.

O Brasil também empreendeu recentemente esforços significativos para reformar seu modelo de financiamento federal. O novo modelo de financiamento da APS, Previne Brasil, entrou em vigor em 2020, introduzindo componente de capitação ponderada, programa de pagamento por desempenho e alguns incentivos para ações estratégicas e áreas prioritárias. A nova fórmula de capitação, que aloca recursos com base em necessidades, está bem alinhada com as políticas dos países membros da OCDE nessa área (por exemplo, no Chile, Israel, Portugal, Nova Zelândia, Reino Unido e Países Baixos). O valor de capitação única será aplicável à população cadastrada nas eSFs e ajustada por fatores socioeconômicos, demográficos e geográficos, incentivando as eSFs a cadastrarem os 50 milhões de pessoas ainda não cadastradas. Esse é um passo bem-vindo para melhor identificar as pessoas vinculadas a cada eSF e estimular um cuidado longitudinal e coordenado mais adequado. É importante ressaltar que o componente de capitação ponderada garantirá que os municípios com maiores necessidades populacionais devido às populações mais velhas e situações socioeconômicas menos favoráveis recebam os recursos necessários para atender a todos. Isso limitará o risco de aumentar as desigualdades no acesso e na qualidade dos serviços de APS.

A prevenção e o tratamento no nível da APS ainda podem melhorar. Os números internacionais mostram que o rastreamento do câncer de mama e do colo do útero pode progredir e as taxas de imunização podem ser maiores (Tabela 1.1). Em 2018, 84% das crianças brasileiras com cerca de um ano de idade foram vacinadas contra o sarampo, abaixo da média da OCDE (95%). Ao mesmo tempo, procedimentos e cirurgias simples precisam ser amplamente disponibilizados nos ambientes de APS. Isso é tanto uma questão de lutar por melhor segurança e qualidade no atendimento, como uma necessidade econômica de se evitar o uso desnecessário de serviços hospitalares caros. Os dados disponíveis mostram que apenas 60% das ESF realizam procedimentos de baixa complexidade ou pequenas cirurgias - muito pouco, se o Brasil quiser expandir e fortalecer o papel da APS.

Cuidados preventivos e gerenciamento inadequados de doenças crônicas também foram destacados por pesquisas anteriores. Vários indicadores preocupantes sugerem uma necessidade urgente de melhor prevenção, especialmente em um momento em que o peso das doenças tem se transferido para as doenças crônicas. De acordo com a última Pesquisa Nacional de Saúde, 21% de todos os brasileiros com diagnóstico de diabetes não receberam atendimento médico nos 12 meses anteriores à pesquisa. Apenas 22% dos usuários do SUS indicaram ter recebido algumas recomendações sobre estilos de vida saudáveis de seu médico de família, e menos de 40% dos usuários públicos fizeram consulta preventiva nos últimos dois anos (Guanais et al., 2019[7]). Diferenças significativas na qualidade da atenção à saúde também existem entre as regiões, com uma gradação norte-sul onde a região Norte apresenta taxas de hospitalização mais altas por condições crônicas. A Pesquisa Nacional de Saúde de 2019 mostra que pacientes diabéticos apresentam maiores taxas de internação por doenças crônicas no Nordeste do que no Sudeste, levantando algumas preocupações sobre a eficácia da APS local nas regiões Norte e Nordeste.

Apesar do claro investimento na APS, muitos pacientes usam unidades públicas especializadas ou departamentos de emergência para receber serviços de atenção à saúde. Esse é um forte argumento para o fortalecimento do sistema de filtragem no Brasil, tanto pela aplicação de registro sistemático nas eSFs como pelo estabelecimento de sistema de encaminhamento para melhor controlar e orientar os pacientes para o atendimento especializado. Essa abordagem é adotada internacionalmente, incluindo no Chile, Portugal, Itália e Noruega, onde fortes sistemas de controle são vistos como uma forma de garantir que os pacientes recebam os melhores cuidados possíveis para suas condições, alcançando maior adequação e coordenação do atendimento. O Brasil pode considerar tal reforma no futuro para expandir o papel e a expansão das eSFs. Isso ajudaria a construir cadastros precisos de pacientes, reconhecendo o papel central de coordenação das eSFs. A implementação do novo programa Previne Brasil é um passo na direção de aumentar o cadastramento de pacientes nas eSFs.

Além disso, a abrangência dos serviços de APS precisa se expandir para garantir que as eSF sejam capazes de desempenhar funções essenciais, incluindo atenção contínua e abrangente com foco na prevenção, tratamento, acompanhamento de diagnóstico e gerenciamento de condições crônicas. Uma grande variedade de atividades e intervenções deve ser sistematicamente integrada nas eSFs. Essa abordagem mais abrangente deve ser sustentada pela concretização de ações definidas na Carteira de Serviços da Atenção Primária à Saúde (denominada CaSAPS), garantindo que todos os municípios sejam capazes de realizar tais ações e serviços de maneira adequada. Os incentivos para que os prestadores de atenção primária realizem essas ações podem ser introduzidos por meio de esquemas de contratação existentes com o município ou das estruturas de incentivos delineadas nas ações estratégicas do programa Previne Brasil. O Ministério da Saúde também poderia usar o programa de pagamento por desempenho do Previne Brasil para monitorar e encorajar o cumprimento mais sistemático das diretrizes clínicas, a fim de incorporar uma prevenção mais eficaz na prática da ESF. Ao mesmo tempo, os programas educacionais que abrangem a prevenção, rastreio, tratamento e gerenciamento de doenças são instrumentos fundamentais para incentivar os profissionais de atenção primária a implementar plenamente essas tarefas. Diversos órgãos, como o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS), o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (CONASEMS), a Associação Médica Brasileira e a Sociedade Brasileira de Medicina de Família, organizam treinamentos, conferências e aprendizagem online. No entanto, estrutura mais formal para a EMC que esclareça as expectativas e ajude as ESFs a atingir os objetivos, é necessária para fornecer cuidado mais abrangente, de acordo com as melhores evidências disponíveis.

Um sistema de credenciamento robusto, caso fosse aplicado de maneira uniforme e consistente ao setor de atenção primária em todo o país, poderia ser uma ferramenta para melhorar a qualidade e o desempenho da atenção primária no Brasil. Outros sistemas de saúde federalizados na OCDE (por exemplo, na Austrália, Canadá e Estados Unidos) estabeleceram sistemas de credenciamento de APS. A construção de sistema de credenciamento para todas as eSFs no Brasil possibilitaria avaliar seu desempenho, identificar áreas de melhoria e fornecer subsídios para tal aprimoramento. Como o Brasil não possui uma Inspetoria Nacional de Saúde para fornecer credenciamento e verificação independente do cumprimento dos padrões estabelecidos, a nova Agência para o Desenvolvimento da Atenção Primária à Saúde poderia assumir essa função. Ela poderia, por exemplo, realizar o monitoramento e a melhoria da qualidade, revisar a prática e o desempenho atuais e estabelecer padrões de desempenho e relatórios. Também poderia desenvolver ferramentas como estruturas de avaliação, enviar equipes para visitar e apoiar municípios com necessidades especiais e redistribuir os recursos quando necessário. A agência poderia então ser responsável por garantir a melhoria contínua na qualidade da atenção à saúde em nível local, o que atualmente não está - ou está muito timidamente - em vigor.

Talvez mais crucialmente, maior transparência e conjunto mais rico de dados de desempenho são necessários para impulsionar a melhoria da qualidade. O Brasil já coleta ampla gama de insumos e indicadores de processo. Como parte do novo programa de pagamento por desempenho Previne Brasil, o país também monitora vários indicadores sobre acesso à APS, fatores de risco e qualidade que abrangem saúde materna, imunização infantil, rastreamento de câncer de mama e controle de hipertensão e diabetes. Embora essa seja iniciativa importante para o monitoramento da qualidade, cinco dos indicadores de qualidade são indicadores de processo e dois indicadores são medidas de resultados intermediários. Isso é insuficiente. Um conjunto mais rico de indicadores de qualidade em uma ampla gama de atividades preventivas e de gerenciamento de condições crônicas, como consumo de álcool, obesidade, rastreio de câncer, saúde mental e experiências dos pacientes com APS, deve ser uma prioridade e será fundamental para garantir que as reformas não afetem adversamente a qualidade e os resultados do atendimento. A este respeito, Portugal e Israel oferecem modelos de indicadores abrangentes e viáveis que apoiam a melhoria da qualidade na atenção primária.

O Brasil também poderia aderir à iniciativa das Pesquisas de Indicadores Relatados por Pacientes (em inglês, Patient-Reported Indicators Surveys, ou PaRIS) da OCDE para entender como os desfechos e as experiências de atendimento no país se comparam aos dos países da OCDE. Por meio da pesquisa PaRIS, os países trabalham juntos no desenvolvimento, padronização e implementação de nova geração de indicadores que medem os desfechos e as experiências de atenção à saúde mais importantes para as pessoas. Nesse sentido, o inquérito internacional de pessoas com condições crônicas que está sendo preparado dentro da iniciativa PaRIS será a primeira desse tipo a avaliar os pacientes atendidos na APS em vários países.

Dados os desafios trazidos pelas mudanças demográficas e epidemiológicas, o Brasil precisa urgentemente mudar o foco dos serviços de atenção à saúde para lidar com episódios mais longos de necessidades no setor. Embora o país esteja no caminho certo com o desenvolvimento das redes de atenção à saúde (RAS), esse modelo de atenção integrada ainda é implementado de forma desigual em todo o país. O desafio não deve ser subestimado: as interações entre os diferentes prestadores de atenção à saúde sobre os casos dos pacientes e as transições de um serviço para outro precisam ser oportunas, seguras e contínuas para os pacientes e suas famílias. A APS desempenha papel fundamental para atingir esse objetivo.

A falta de guia e liderança nacional resultou na difusão baixa e desigual de RAS em todo o país. O governo federal deveria considerar desempenhar papel mais importante na direção do um desenvolvimento mais consistente de RAS, fornecendo recursos adicionais, programas de treinamento e diretrizes sobre o desenvolvimento e a administração de serviços de atendimento comunitário, e melhor uso de tecnologia de informação e comunicação (TIC). Trocar boas experiências e aprender com as regiões ou instalações de melhor desempenho é outra forma de incentivar o desenvolvimento mais amplo e ambicioso dessas redes.

Melhor compartilhamento de informações e vinculação de dados entre os níveis de atendimento, bem como mecanismos mais inteligentes de pagamento pelo provedor, serão essenciais para garantir uma implementação bem-sucedida da RAS. Existem bons exemplos de mecanismos de pagamento - como pagamentos adicionais, pagamentos em pacote e pagamentos baseados na população - em alguns países da OCDE que incentivam provedores de diferentes setores da saúde a trabalharem juntos de forma eficaz. Embora possa ser muito cedo para instituir tais mecanismos no momento, o Brasil certamente poderia considerar a introdução de pagamentos adicionais ou pagamentos em pacote em um futuro próximo.

No Brasil, assim como nos países da OCDE, as doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs), como câncer e doenças cardiovasculares, são grandes preocupações de saúde pública. A mortalidade por câncer é a segunda causa de morte no Brasil. As principais causas de mortalidade por câncer são o câncer de mama, pulmão, colorretal e câncer do colo do útero entre as mulheres, e câncer de pulmão, próstata e colorretal entre os homens. De acordo com as tendências dos países da OCDE, as taxas de mortalidade por câncer no Brasil são mais altas entre os homens do que entre as mulheres, o que pode ser explicado, pelo menos em parte, por uma maior prevalência de fatores de risco entre os homens. Muitos cânceres associados a altas taxas de mortalidade no Brasil - como câncer de próstata, mama, colorretal e pulmão - apresentam fatores de risco comuns, incluindo obesidade, estilo de vida precário e sedentarismo.

Embora a incidência de câncer no Brasil esteja abaixo da média da OCDE, a mortalidade por câncer não diminuiu nos últimos anos. Entre 2009 e 2019, a mortalidade por câncer no Brasil oscilou entre 161 e 162 mortes por 100 mil pessoas, enquanto a média da OCDE diminuiu de 211 para 196 no mesmo período. A redução da mortalidade por câncer nos países da OCDE está relacionada ao diagnóstico precoce, o que constitui forte argumento para a construção de métodos de rastreamento mais eficazes no Brasil.

A quinta causa de mortalidade no Brasil é a diabetes, responsável por 5% de todas as mortes, em comparação com 3% nos países da OCDE. A mortalidade por diabetes no Brasil atingiu 50 mortes por 100.000 pessoas em 2019 - maior do que a média da OCDE de 22 mortes por 100.000 pessoas, e apenas menor do que no México e na Costa Rica. Os níveis de glicemia em jejum aumentaram significativamente na última década, sugerindo que o ônus da diabetes será significativo no futuro próximo. A hipertensão, que contribui para o desenvolvimento de problemas cardiovasculares mais graves, é um importante fator de risco para problemas de saúde no Brasil, senão o principal. Em 2015, a prevalência média de pressão arterial elevada no Brasil foi de 23,3% - superior à média da OCDE de 20,8% e da América Latina e Caribe de 21,5%. Enquanto o Brasil reduziu essa prevalência em 5,3% entre 2005 e 2015, os países da OCDE diminuíram em média 16,4% no mesmo período.

Para enfrentar o ônus do câncer, o Brasil desenvolveu seu sistema de tratamento do câncer de forma incremental nas últimas décadas. Lançou a primeira Política Nacional de Atenção Oncológica em 2005 e definiu seu Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas Não Transmissíveis 2011-2022, demonstrando seu compromisso com a redução do ônus das doenças associada ao câncer. O país introduziu a Política Nacional para a Prevenção e Controle do Câncer na Rede de Atenção à Saúde das Pessoas com Doenças Crônicas, em 2013, para atualizar a política nacional de câncer e melhorar o acesso aos cuidados oncológicos. O Brasil também tem buscado implementar melhorias de qualidade em seu sistema de tratamento do câncer e em 2013 criou o Sistema de Informação do Câncer (SISCAN), que integra os Sistemas de Informação do Controle de Câncer do Colo do Útero (SISCOLO) e os Sistemas de Informação do Controle de Câncer de Mama (SISMAMA). As diretrizes clínicas para o rastreamento precoce do câncer de mama foram atualizadas em 2015, e as diretrizes nacionais para o rastreamento do câncer do colo do útero em 2016. Mais importante, o Brasil introduziu o instrumento PAINEL-Oncologia, que auxilia no monitoramento da Lei nº 12.732, de 22 de novembro de 2012, que estabelece tempo máximo de espera de 60 dias para o início do tratamento para pacientes com neoplasia maligna comprovada. Embora o PAINEL-Oncologia seja fundamental para garantir o acesso a cuidados oncológicos de qualidade no Brasil, os dados apresentados referem-se exclusivamente aos usuários que possuem o Cartão Nacional de Saúde (DATASUS, 2021[8]). O Brasil também desenvolveu 17 cadastros de câncer de base populacional, que fornecem informações cruciais sobre incidência, tendências e sobrevivência (INCA, 2013[9]).

No entanto, o rastreamento do câncer no Brasil é oportunístico, administrado por cada eSF a partir de uma recomendação feita por um provedor de atenção à saúde durante consulta médica de rotina, ou por meio de autorreferência individual. O Brasil precisa intensificar seus esforços para aumentar a cobertura de rastreamento do câncer de mama, principalmente para melhorar o diagnóstico precoce e reduzir a mortalidade. Ao contrário de muitos países da OCDE, o rastreamento do câncer não ocorre dentro de programa de base populacional elaborado e administrado pelo governo federal para atingir a maior parte da população em risco. Como resultado, embora a cobertura de rastreamento do câncer de mama no Brasil tenha aumentado de 15,2% em 2014 para 24,2% em 2019 entre o grupo-alvo de mulheres de 50 a 69 anos, permanece muito baixa em comparação com a média da OCDE de 58%. Entre 2008 e 2019, a mortalidade por câncer de mama aumentou 8,3% no Brasil, enquanto diminuiu 10% em média nos países da OCDE. O câncer de mama é o que mais atinge as mulheres brasileiras, com 20,8 mortes por 100.000 mulheres, o que representa 16,4% de todas as mortes por câncer entre mulheres. Além disso, a sobrevivência ao câncer de mama caiu em mais de dois anos no Brasil entre os períodos de 2005-09 e 2010-14, ao passo que aumentou em um ano na região da OCDE. A falta de disponibilidade de mamógrafos e sua distribuição desigual pelo país são os principais problemas que contribuem para o diagnóstico tardio do câncer de mama no Brasil (Da Costa Vieira, Formenton and Bertolini, 2017[10]). Em 2020, o Brasil tinha 13 mamógrafos por milhão de pessoas, quase metade da média da OCDE, de 24.

Na mesma linha, o rastreamento do câncer do colo do útero no Brasil aumentou substancialmente (de 20,5% em 2014 para 37% em 2019), mas permanece bem abaixo da cobertura média da OCDE (57%) e abaixo de todos os países da OCDE, exceto Costa Rica e Hungria. Evidências preocupantes apontam para grandes desigualdades sociais: o acesso ao rastreamento do câncer do colo do útero é particularmente baixo entre as mulheres que vivem nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, e aquelas com histórico socioeconômico baixo (incluindo mulheres mais carentes, menos escolarizadas, não brancas e mais jovens) (Costa et al., 2018[11]). A mortalidade por câncer do colo do útero em 2019, por sua vez, foi substancialmente maior no Brasil do que a média da OCDE (7,4 mortes vs. 3,9 mortes por 100.000 mulheres), e a sobrevivência ao câncer do colo do útero no Brasil diminuiu 11,3% entre 2000-04 e 2010-14.

Essas tendências preocupantes sugerem grande espaço para melhorias no Brasil, inclusive por meio de uma estratégia nacional de prevenção e rastreamento do câncer.

Na área de prevenção do câncer do colo do útero, o Programa Nacional de Imunizações instituiu, em 2014 a campanha de vacinação contra o papilomavírus humano (HPV) para meninas de 9 a 13 anos, depois a expandiu em 2017 para meninos de 11 a 14 anos. Seguindo a mesma tendência dos países da OCDE, a vacina é oferecida pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em unidades de APS e no contexto de campanhas de vacinação nas escolas. O rastreamento do câncer do colo do útero é realizado por meio do exame citopatológico (Papanicolau), oferecido às mulheres de 25 a 64 anos e repetido a cada três anos. Embora a periodicidade de três anos esteja alinhada com as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil poderia aprender com os países da OCDE e partir para um programa de rastreamento de base populacional ao introduzir o teste primário de HPV-DNA. Essa abordagem é adotada internacionalmente (por exemplo, na Itália e na Finlândia) e recomendada por diretrizes internacionais, incluindo as diretrizes europeias e as diretrizes da American Cancer Society 2020. Sua implementação exigiria a utilização de testes de HPV confiáveis e validados, em laboratórios qualificados, credenciados por órgãos autorizados (como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária [ANVISA]) e atendendo aos padrões internacionais. O treinamento dos profissionais de saúde é crucial, junto com as estratégias de comunicação para as mulheres nas populações-alvo. Essa estratégia nacional deve incluir mecanismos de garantia da qualidade para monitorar o desempenho do rastreamento do câncer do colo do útero, que as diretrizes europeias definem como alcançando: (1) cobertura de convite de pelo menos 95% das mulheres alvo; (2) cobertura de exame de pelo menos 70% (85% seria desejável); e (3) taxa de participação de pelo menos 70% (85% seria desejável) (von Karsa et al., 2015[12]).

Na área de câncer de mama, o Ministério da Saúde do Brasil recomenda a mamografia a cada dois anos para mulheres de 50 a 69 anos de idade como estratégia de rastreamento na APS. O Brasil poderia ir além desta recomendação e desenvolver programa de rastreio do câncer de mama de base populacional, conforme implementado em vários países da OCDE (por exemplo, Austrália, França ou Portugal). Na prática, isso exigiria a implementação de estrutura eficaz de novas chamadas, criação de um registro de rastreamento e garantia de qualidade robusta em todos os níveis. Hoje, a janela de oportunidade é grande com a implementação da estratégia Previne Brasil, que irá melhorar o cadastro dos pacientes nas eSFs. O Brasil poderia aproveitar o sistema de cadastro de pacientes para desenvolver programas de rastreamento organizados que permitam identificar a população-alvo elegível em cada município. O estabelecimento de programa organizado de rastreio do câncer de mama exigirá a capacitação das equipes de atenção primária, incluindo o fornecimento de diretrizes e protocolos aos profissionais de saúde sobre os sinais e sintomas do câncer para aprimorar a precisão do diagnóstico, dando-lhes tempo suficiente para avaliar os pacientes e treinar os profissionais em como diagnosticar câncer e desenvolver mecanismos de encaminhamento confiáveis. Ao mesmo tempo, a distribuição de mamógrafos em todo o país precisará ser revisada para alcançar suprimento equilibrado que corresponda às necessidades da população.

Os programas baseados na população podem andar de mãos dadas com convites personalizados. Nesse sentido, o Brasil poderia adotar uma abordagem mais sistemática e personalizada para convidar as populações-alvo. Um número crescente de países da OCDE envia carta-convite pessoal para o rastreamento do câncer, sistematicamente emitida por meio de cadastro, para cada indivíduo do grupo-alvo. O Brasil não tem essa iniciativa nacional e os convites são emitidos apenas em certos níveis locais, dependendo da iniciativa de cada município ou eSF. Em contraste, a Dinamarca, a Alemanha e a Itália enviam cartas-convite com data marcada para a mamografia. Com base nas evidências disponíveis, as intervenções mais eficazes para aumentar a participação em programas de rastreio organizados incluem lembretes por correio e telefone, a assinatura do médico de atenção primária na carta convite e o fornecimento de consulta agendada em vez de consulta aberta (Camilloni et al., 2013[13]). Uma análise de custo-benefício precisaria ser realizada para determinar as intervenções apropriadas no contexto brasileiro.

Embora o Brasil tenha ampliado sua infraestrutura de informações sobre câncer (notadamente com SISCAN, PAINEL-Oncologia e o Registros de Câncer de Base Populacional), os principais desafios são a baixa cobertura, a baixa interconexão e a falta de feedback. O Brasil precisa de um sistema de informações mais abrangente, baseado em registros e capaz de acompanhar cada paciente individualmente para garantir gestão eficiente dos programas de rastreio e atendimento oncológico. Esse sistema é fundamental para identificar as populações-alvo e enviar convites e lembretes personalizados para o rastreamento de câncer. Ao mesmo tempo, a eficácia dos protocolos de rastreio existentes no Brasil - como grupos-alvo, frequência de rastreio, métodos e grupos populacionais cruzados - precisa ser avaliada de forma mais sistemática. Isso envolve o desenvolvimento de sistemas integrados de informação para melhorar a qualidade dos programas de rastreio, principalmente por meio de referências de desempenho e feedback aos provedores de saúde. Em realidade, a avaliação e o feedback do provedor aumentam a cobertura para o rastreamento do câncer do colo do útero, de mama e colorretal (Sabatino et al., 2012[14]).

O Brasil também deve desenvolver outras estratégias de saúde digital para melhorar a conscientização pública sobre a prevenção do câncer, o rastreio do câncer e a educação em saúde. O Ministério da Saúde vem implementando algumas ações desde 2002, como a Campanha Outubro Rosa, com o objetivo de promover a prevenção e estilos de vida saudáveis e superar o medo ou estigma associado ao câncer. No nível local, os municípios promovem o rastreio por meio de campanhas usando a mídia local e redes sociais. Algumas boas iniciativas também são implementadas em níveis municipais por meio da implantação de unidades para alcançar comunidades muito remotas e vulneráveis e expandir o acesso a rastreamentos, diagnósticos e tratamento.

Embora todas essas estratégias sejam valiosas e devam ser mantidas, o Brasil também poderia desenvolver estratégias de comunicação e programas de educação mais eficazes para melhorar a conscientização em saúde. As partes interessadas locais, como provedores de atenção à saúde e representantes da sociedade civil, também devem ser consultadas para identificar barreiras específicas ao rastreio e abordar necessidades específicas, particularmente entre as populações desfavorecidas (ou seja, em áreas remotas, pobres e menos educadas). Como o compartilhamento sistemático de informações relacionadas ao câncer é limitado - especialmente para cânceres que não estão sujeitos a programas de rastreamento - o Brasil também poderia desenvolver estratégias de compartilhamento de informações para ajudar os pacientes a buscarem atendimento, incluindo serviços de diagnóstico de câncer. O Brasil poderia aprender com a Dinamarca, Inglaterra e Estônia, que desenvolveram sites ou plataformas de e-saúde que compartilham informações baseadas em evidências sobre o câncer, para promover a educação em saúde e ajudar os pacientes a buscarem cuidados de saúde adequados e oportunos, incluindo rastreamento, diagnóstico e tratamento do câncer.

Diante do aumento da prevalência de diabetes e hipertensão, doenças complexas e caras, o Brasil deve fortalecer a prevenção, o rastreamento precoce e o tratamento. O país deve priorizar a mudança para programas de gerenciamento de doenças, capacitação das APS e melhoria da infraestrutura de dados que suportam o diabetes e a hipertensão.

No Brasil, como em muitos países da OCDE, diabetes e hipertensão são as principais causas de morbidade, associadas a comorbidades e despesas significativas. A mortalidade total de pacientes com diabetes e hipertensão vem caindo no Brasil: A mortalidade por diabetes diminuiu 9,8% entre 2007 e 2019, e a prevalência de hipertensão diminuiu 5,3% entre 2005 e 2015. Baixas taxas de internações evitáveis por diabetes e hipertensão no Brasil também sugerem uma gestão relativamente boa dessas condições na APS: em 2019, a taxa de internações hospitalares por diabetes era de 92 pacientes por 100.000 pessoas (abaixo da média da OCDE de 130) e 48 pacientes por 100.000 pessoas por hipertensão (menos da metade da média da OCDE).

Todos esses são sinais bem-vindos de melhora na prevenção e no tratamento do diabetes e da hipertensão. No entanto, as evidências disponíveis indicam que a taxa de mortalidade por diabetes aumentará 144% até 2040, tornando-se a terceira principal causa de morte (Duncan et al., 2020[15]). A hipertensão também se tornou o principal fator de risco para mortes em 2017 (Nascimento et al., 2020[16]). Dadas essas tendências, são necessários mais esforços para fortalecer a prevenção da diabetes e da hipertensão no contexto da APS. No Brasil, os exames básicos de saúde e o rastreamento de risco para doenças crônicas dependem das eSFs e são realizados predominantemente por meio de exames pontuais durante as consultas de saúde. O Ministério da Saúde publicou diversas diretrizes relacionadas às doenças crônicas não transmissíveis. O rastreamento da hipertensão é recomendado para adultos sem o conhecimento de que são hipertensos. Sugere-se realizar o rastreio a cada dois anos de pessoas com pressão arterial abaixo de 120/80 mmHg (milímetros de mercúrio) e rastreio anual se a pressão arterial sistólica estiver entre 120 e 139 mmHg ou pressão arterial diastólica entre 80 e 90 mmHg. Para diabetes, a diretriz recomenda o rastreamento em adultos assintomáticos com pressão arterial sustentada maior que 135/80 mmHg, porém não se aplica a outros critérios de rastreio, como obesidade, histórico familiar ou faixa etária. Cadernos de atenção básica para o gerenciamento da hipertensão e protocolo recente para diabetes também fornecem orientação aos profissionais da APS.

O Brasil tem buscado melhorar a qualidade do atendimento a diabetes e a hipertensão, notadamente por meio do sistema de pagamento por desempenho PMAQ, lançado em 2011. Como parte do PMAQ, a avaliação das eSFs incluiu tópicos como rastreamento precoce de hipertensão, exames laboratoriais para diabetes e prescrição adicional para usuários em cuidados continuados (por exemplo, para hipertensão e diabetes), sem a necessidade de consulta médica. No entanto, o componente de pagamento por desempenho do novo programa Previne Brasil inclui apenas dois indicadores relacionados à hipertensão e diabetes, que cobrem apenas o acompanhamento de pacientes que já possuem as doenças e não abordam a prevenção na APS. Portanto, será fundamental, no futuro, monitorar como o novo programa influencia as atividades de rastreio de hipertensão e diabetes na APS.

O Brasil poderia aprender com os países da OCDE, como Austrália, Estônia, Coréia e Inglaterra, que instigaram programas de rastreamento populacional visando a populações de alto risco. Na Austrália, por exemplo, os médicos da APS podem fornecer uma única avaliação de saúde para pessoas de 45 a 49 anos que apresentam pelo menos um fator de risco (hábito de estilo de vida ou histórico familiar) para o desenvolvimento de uma doença crônica, como diabetes tipo 2 ou doença cardíaca. O Escritório Regional da OMS para a Europa também recomenda direcionar o rastreamento na APS para pacientes em risco de desenvolver diabetes ou hipertensão. Se o Brasil quiser caminhar nessa direção, será importante garantir que os programas sejam direcionados a grupos populacionais de alto risco, com base na epidemiologia nacional do país, nas características do sistema de saúde e na análise de custo-benefício.

As itinerários terapêuticos de doenças crônicas são essenciais para fornecer cuidados coordenados e contínuos para pacientes crônicos. Amplamente usados em alguns países da OCDE para melhorar a integração e coordenação dos cuidados, eles estão associados a reduções de custos e melhor qualidade dos cuidados. No Brasil, o desenvolvimento de duas diretrizes clínicas com vias explícitas de cuidado para orientar os profissionais de saúde na APS são as únicas tentativas de promover a coordenação da atenção à saúde. No entanto, essas diretrizes não integram outros prestadores de cuidados ou partes interessadas (por exemplo, especialistas ou grupos de apoio ao paciente) e não são produzidas em um formato acessível ao paciente.

O Brasil deve promover métodos de gestão de doenças com uma perspectiva centrada nas pessoas para estabelecer claramente as responsabilidades dos profissionais de saúde em diferentes estágios da doença, definir expectativas de qualidade para doenças crônicas, como diabetes e doenças cardiovasculares, e padronizar a qualidade do atendimento em todo o Brasil. Conforme visto nos países da OCDE, as abordagens de gestão coordenada permitem que as equipes de APS e os pacientes individuais tomem as ações apropriadas para controlar o diabetes e a hipertensão. O Brasil também deve garantir que os itinerários terapêuticos integrem todos os provedores de saúde em diferentes setores.

Os profissionais da APS devem ter as ferramentas e capacidades para assumir essas responsabilidades e tarefas. Há espaço no Brasil para desenvolver capacidade de rastreio e tratamento de hipertensão e diabetes por meio da transferência de tarefas ou da expansão da função de outros profissionais de saúde, incluindo enfermeiros, nutricionistas e farmacêuticos. Os enfermeiros podem ter a capacidade e o treinamento para conduzir uma avaliação inicial do paciente, incluindo testes de açúcar no sangue em todas as práticas médicas e colaborar com os médicos e outros membros da equipe nas atividades de acompanhamento. O benefício do atendimento liderado por enfermeiros já foi demonstrado (Maier, Aiken and Busse, 2017[17]; Martínez-González et al., 2015[18]).

Por último, mas não menos importante, os itinerários terapêuticos integrados dos pacientes requerem sistemas de financiamento adequados para incentivar vários profissionais de saúde a trabalharem juntos. O Brasil poderia considerar experimentar o uso de pagamentos em pacote para condições crônicas. Conforme implementado em vários países da OCDE (ou seja, Países Baixos, Austrália e Canadá), o pagamento em pacote consiste em um pagamento por paciente com doença crônica para cobrir o custo de todos os serviços de atenção à saúde oferecidos por todos os provedores durante um período de tempo específico. Esse sistema tem o potencial de incentivar a coordenação de cuidados entre os prestadores e garantir gama mais ampla de cuidados. Embora o Brasil já tenha tomado medidas para melhorar o financiamento da APS por meio de capitação ponderada, esse modelo de pagamento provavelmente não estimulará a coordenação e integração de cuidados para diabetes e hipertensão.

O Brasil desenvolveu o Hiperdia (Hipertensão e Diabetes), sistema específico de cadastro e monitoramento de hipertensos e diabéticos, administrado pelo Ministério da Saúde em conjunto com as Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde. Por meio do Hiperdia (Hipertensão e Diabetes), os municípios integrantes do Programa Nacional de Assistência Farmacêutica para Hipertensão e Diabetes Mellitus enviam informações sobre o cadastro e monitoramento de portadores dessas doenças. Notavelmente, todas essas informações são processadas e disponibilizadas pelo DATASUS, infraestrutura de dados de saúde e sistema de informações do Ministério da Saúde. Porém, o Hiperdia não coleta informações sobre rastreamento, nem é capaz de captar a trajetória de atendimento de cada paciente (encaminhamentos, tempos de espera, consultas com especialistas, exames laboratoriais e medicamentos). Também é difícil para as eSFs revisar e agir com base nessas informações, pois não recebem feedback regular e os pacientes não têm acesso aos seus dados pessoais de saúde. Existem também alguns problemas para vincular essas informações a outras bases de dados, como registros de internações e óbitos.

Melhorar a infraestrutura de dados por meio da vinculação de diferentes fontes deve, portanto, ser uma prioridade no Brasil para ajudar os pacientes e profissionais de saúde a identificar deficiências e aprimorar as estratégias de prevenção. Os sistemas de informação em saúde devem ser expandidos para fornecer mais e melhores informações às equipes de APS e aos pacientes, melhorando assim as decisões de manejo clínico na atenção primária e capacitando os pacientes a assumir papel de liderança em suas próprias ações de prevenção e controle. Os dados devem ser sistematicamente transmitidos aos profissionais e usados para identificar riscos ou deficiências. O Brasil poderia aprender com os países da OCDE no desenvolvimento de um forte sistema de informações de saúde dentro de uma estrutura de governança de dados que protege a privacidade das informações de saúde dos pacientes, conforme estabelecido na OCDE (2019[19]). Um sistema de informação mais forte também seria crucial para agilizar os esforços para identificar e convidar as populações-alvo para o rastreamento de hipertensão e diabetes.

O Brasil está lutando contra a escassez e a distribuição desigual de médicos entre as regiões. A proporção de médicos em atividade em 2019 era menor no Brasil (2,3 por 1.000 habitantes) do que a média da OCDE (3,5 por 1.000 habitantes). A distribuição dos médicos seguiu uma gradação norte-sul, onde as regiões Norte e Nordeste apresentam menor densidade de médicos. Ao mesmo tempo, a MFC é desvalorizada como especialidade no Brasil. Em 2018, apenas 5.486 médicos (1,4% de todos os especialistas no Brasil) tinham formação especializada em MFC. Embora os residentes das regiões Norte e Nordeste tenham as maiores necessidades de atenção à saúde, menos de 20% de todos os especialistas da MFC atuam nessas regiões. O Brasil, portanto, precisa enfrentar dois desafios principais: 1) garantir maior número e distribuição de médicos de atenção primária; e 2) garantir força de trabalho de alta qualidade.

Estabelecido em 2013, o PMM é uma intervenção em larga escala do sistema de saúde com o objetivo de fortalecer a prestação de serviços de APS em comunidades carentes. O PMM foi projetado pelo Ministério da Saúde como uma intervenção do lado da oferta com três objetivos: 1) transferência de recursos aos municípios para fortalecer a infraestrutura da APS; 2) melhorar o acesso e a qualidade do treinamento nas escolas de medicina; e 3) recrutamento de médicos brasileiros e estrangeiros para municípios que lutam para recrutar e reter médicos. Com base nas evidências disponíveis, o programa foi bem-sucedido. Há bons avanços no investimento e na renovação da infraestrutura da APS, ampliação do número de novas vagas de graduação em medicina na APS e recrutamento de mais de 16.000 médicos do Brasil e do exterior para atuar exclusivamente nas ESF. Em seu quinto ano de implantação, o PMM estava associado ao aumento de 12,2% no número de médicos da APS, com efeitos mais pronunciados em municípios com menor disponibilidade de médicos no início do programa. (Hone et al., 2020[2]). A evidência também sugere principalmente que o PMM levou ao um melhor acesso e qualidade do atendimento, conforme medido por reduções nas hospitalizações evitáveis por algumas condições crônicas (Fontes, Conceição and Jacinto, 2018[20]).

Embora esses resultados sejam notáveis, a implementação do PMM teve suas desvantagens. Em primeiro lugar, há evidências de que o PMM levou à substituição de médicos brasileiros que já trabalhavam nas comunidades. Em segundo lugar, apenas três quartos dos municípios prioritários têm pelo menos um médico PMM, o que significa que os métodos de focalização na comunidade foram insuficientes para recrutar médicos para todos os municípios prioritários. Terceiro, os médicos PMM não precisaram passar por recertificação ou revalidação para exercer a medicina no Brasil. Também é justo observar que, apesar desses resultados positivos, as vagas não preenchidas na APS ainda são a norma no Brasil, com disparidades geográficas persistentes no acesso à formação médica. As regiões Norte e Nordeste oferecem os menores níveis de vagas per capita de graduação em medicina do país.

O novo Programa Médicos pelo Brasil, iniciado em 2020 pelo governo federal para substituir o PMM, continuará a aumentar a oferta de serviços médicos em municípios remotos ou de alta vulnerabilidade, bem como promover a formação de médicos com especialização em MFC. Para evitar a repetição de erros, a experiência do PMM pode subsidiar o projeto e a implementação do Programa Médicos pelo Brasil. O governo federal deve se concentrar em métodos de direcionamento à comunidade para maximizar o recrutamento de médicos para todos os municípios prioritários. Deve também garantir que o novo programa não leve à substituição dos médicos brasileiros. A introdução de processo de revalidação obrigatória para todas as licenças médicas e o estabelecimento de programa de especialização de dois anos na MFC como parte do Programa Médicos pelo Brasil são certamente passos positivos para o fortalecimento da APS.

Embora o Brasil já tenha muitas soluções complementares para recrutar e reter a força de trabalho da APS, ele poderia aprender com a experiência internacional em políticas de força de trabalho em saúde:

  • Em primeiro lugar, como parte do novo Programa Médicos pelo Brasil, há espaço para treinar mais médicos rurais a fim de aumentar o número e melhorar a retenção a longo prazo. Extensas evidências internacionais mostram que o estabelecimento da educação médica em locais rurais leva a aumentos no número de graduados em medicina que trabalharão em tais áreas no longo prazo (McGirr, Barnard and Cheek, 2019[21]). Aprendendo com as experiências de países da OCDE, como Austrália, Canadá, Inglaterra e Noruega, o Brasil poderia estabelecer programas de educação médica em localidades rurais. Ao mesmo tempo, poderia incentivar os estudantes de medicina a ganhar experiência nessas regiões, incluindo, por exemplo, uma rotação rural obrigatória em qualquer estágio médico.

  • Em segundo lugar, o Brasil poderia oferecer incentivos financeiros e não financeiros para médicos, condicionados à prática por algum tempo em comunidades carentes. Como parte do Programa Médicos pelo Brasil, médicos em áreas carentes receberão incentivos financeiros que variam de R$ 3 mil a R$ 6 mil, dependendo da localização. Conforme implementado no Chile, Alemanha e Canadá, esses incentivos podem estar condicionados à obrigação de retorno de serviço de dois a quatro anos. O governo federal também precisará garantir que os diversos tipos de incentivos financeiros sejam recebidos diretamente pelos médicos, e não distribuídos a critério dos municípios. No Chile, o programa que combina incentivos financeiros e não financeiros com uma obrigação de retorno de serviço de três a seis anos tem sido bem-sucedido, com o número de candidatos excedendo o número de vagas disponíveis, altos índices de satisfação dos candidatos e altos índices de retenção entre os médicos contratados (Pena et al., 2010[22]).

  • A última opção para corrigir o desequilíbrio geográfico dos médicos seria restringir a escolha do local de prática dos médicos da APS. A esse respeito, o Brasil poderia aprender com a Turquia, Alemanha, Noruega ou algumas províncias canadenses (por exemplo, New Brunswick e Quebec), que restringem a escolha do local para médicos recém-qualificados. Tal abordagem regulatória requer planejamento cuidadoso e coerente da força de trabalho, o que está longe de ser o caso hoje. No Brasil, ao contrário de muitos países da OCDE, há falta de conhecimento das necessidades presentes e futuras de médicos e outros profissionais de atenção à saúde (Oliveira et al., 2017[23]). O planejamento da força de trabalho em atenção à saúde não se baseia na avaliação objetiva das características dos profissionais, dos processos de trabalho, das características do sistema de saúde em vigor e das necessidades de saúde da população.

Em muitos países de renda baixa, média e alta, a transferência de tarefas é alavanca fundamental para preencher a lacuna na oferta de APS decorrente da falta de médicos em APS (Afobali et al., 2019[24]). Embora extensas evidências internacionais apoiem a transferência de funções tradicionalmente desempenhadas por médicos para enfermeiros e outros profissionais de saúde aliados, o Brasil ainda não experimentou mudar a abrangência da prática e a transferência de tarefas entre profissionais de saúde, como enfermeiros e agentes comunitários de saúde. Conforme implementado internacionalmente (por exemplo, na Austrália e na França), o Brasil deve capitalizar sua grande rede de treinamento de enfermagem existente para expandir e reconhecer o papel dos enfermeiros de prática avançada, que poderiam ajudar a gerenciar a atenção a pacientes com doenças agudas leves e distúrbios crônicos, complementando, assim, os médicos praticantes de APS. Alternativamente, enfermeiros de prática avançada podem ser deslocados para áreas remotas e carentes para melhorar o acesso a profissionais de saúde qualificados. Tal política exigiria uma análise completa dos currículos de enfermagem atuais para investir ainda mais nas competências essenciais, incluindo prática em equipe, coordenação de cuidados entre e através dos setores de saúde, liderança clínica e profissional e gestão de qualidade e segurança (Cassiani et al., 2018[25]). Na mesma linha, os agentes comunitários de saúde - que já desempenham papel crucial na provisão de APS no Brasil - poderiam desempenhar papel ainda maior, notadamente obtendo o histórico médico do paciente, realizando exames físicos básicos, solicitando exames e fornecendo aconselhamento sobre cuidados preventivos. Isso certamente exigiria investimentos em treinamento, bem como melhor comunicação entre os agentes comunitários de saúde e outros funcionários da ESF.

O uso melhorado de alternativas às consultas presenciais pode ser outra via para lidar com a escassez de médicos de APS e os desequilíbrios geográficos no Brasil. Embora a telessaúde já seja usada há bastante tempo, seu desenvolvimento e uso são desiguais. Por exemplo, pouco menos de 3,5 milhões de serviços de telessaúde em todos os níveis de atenção foram registrados no Brasil entre 2016 e 2019. Destes, 50% ocorreram no Sudeste, 36% no Sul e apenas 1% no Norte, a região mais carente em termos de déficit de mão de obra. A falta de financiamento, treinamento e equipamento para as eSFs são fatores que impedem o uso dos serviços de telessaúde para oferecer serviços de atenção à saúde seguros, rápidos e integrados no Brasil. Ampliar a telemedicina no Brasil sem agravar as divisões sociais existentes exigirá novos investimentos e financiamento para garantir o uso eficaz e igualitário das tecnologias digitais na APS. O Brasil também precisará estabelecer estrutura de governança que apoie melhor os municípios com recursos insuficientes.

Além da necessidade de abordar a distribuição geográfica desigual dos médicos de atenção primária, o Brasil deve se concentrar em três grandes áreas: 1) aumentar a credibilidade e o reconhecimento do setor de atenção primária; 2) tornar a MFC requisito obrigatório para poder praticar a atenção primária; e 3) introduzir medidas de qualidade para a educação médica.

Embora a Estratégia de Saúde da Família tenha priorizado o acesso à APS, o país não investiu o suficiente para aumentar a credibilidade e o reconhecimento da MFC. Vários indicadores preocupantes sugerem que a especialidade MFC está subvalorizada e é a última opção escolhida pelos médicos: em 2018, apenas 1,5% dos recém-formados escolheram a MFC dentre as 55 especialidades disponíveis. O baixo grau de incorporação acadêmica e o baixo financiamento nesta área de pesquisa são fatores que impedem o reconhecimento da especialidade (Wenceslau, Sarti and Trindade, 2020[26]; Fontenelle et al., 2020[27]). E, no entanto, tais fatores são fundamentais para promover a MFC e incentivar os alunos a escolherem essa especialidade como sua carreira futura, principalmente por provar que a APS não é uma profissão que não exija muitas qualificações. Se o Brasil deseja preencher a lacuna na força de trabalho da APS, ele precisa criar departamentos acadêmicos de MFC em todas as escolas médicas, promover a colaboração interdisciplinar com outros especialistas e estimular o respeito mútuo.

Ao mesmo tempo, tornar o treinamento da especialidade em MFC obrigatório para todos os médicos que desejam exercer a APS seria fundamental para promover a excelência no Brasil e prestar atenção primária mais eficaz e centrada no paciente. Os benefícios da APS especializada já foram demonstrados em outros lugares (OCDE, 2020[28]), principalmente para atender a maior parte das necessidades dos pacientes e fornecer foco mais forte na prevenção e gestão precoce das condições de saúde. Os requisitos pós-treinamento para a prática da APS estão atualmente implementados em 22 países da OCDE; não há dúvida de que tal profissionalização traria benefícios para o Brasil.

Por último, mas não menos importante, a padronização dos arranjos contratuais para os trabalhadores da atenção primária é a chave para melhorar a atratividade da APS como profissão. Uma vez que cada município define o nível de salários, bônus e outros mecanismos de pagamento, esses arranjos são amplamente heterogêneos entre os municípios. Uma supervisão e regulamentação mais fortes por parte do governo federal são necessárias para garantir escalas de salários consistentes em todo o país, e pode ser importante garantir que os municípios menores ofereçam contratos semelhantes aos dos municípios maiores. A nova Agência para o Desenvolvimento da Atenção Primária à Saúde poderia desempenhar papel nesse sentido. Exemplos-chave de aprendizagem estão disponíveis internacionalmente. Na Turquia, por exemplo, a implementação do Programa de Transformação da Saúde fez com que os médicos de família fossem pagos de acordo com os termos e condições nacionais, com salários mais generosos e melhores condições de trabalho.

Embora o Ministério da Saúde do Brasil (em parceria com o Ministério da Educação) regule a educação médica em todo o país, poderia fazer mais para padronizar o currículo médico. O programa acadêmico inadequado e a lacuna na qualidade da educação médica entre as escolas são áreas de preocupação. Para alcançar uma maior padronização do currículo médico e do ensino, o Brasil poderia introduzir teste nacional ao final do curso universitário. O exame nacional de licenciamento complementaria o credenciamento realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) ou pelo Conselho Federal de Medicina. O exame nacional tem sido cada vez mais usado nos países da OCDE. O Reino Unido está introduzindo Avaliação de Licenciamento Médico em todo o país, que é supervisionada e regulamentada pelo General Medical Council e testará os principais conhecimentos, habilidades e comportamentos necessários para a prática da medicina. O Brasil poderia aprender com o exemplo do Reino Unido.

Ao mesmo tempo, o Brasil poderia dar mais um passo para promover a qualidade da força de trabalho por meio de requisitos mais rígidos para EMC. Ao contrário de muitos países da OCDE, a EMC é voluntária no Brasil. Isso não é apenas insuficiente para garantir alto padrão de competências para os médicos da APS, mas também não garante sua aptidão para exercer a profissão ao longo da carreira. É preciso fazer mais para ajudar os médicos manterem suas competências e adquirirem novas habilidades. Enquanto vários órgãos como o CONASS, o CONASEM, a Associação Médica Brasileira ou a Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade organizam treinamentos para manter e atualizar competências, é impossível saber se - e quantos - médicos da APS realizaram EMC. É necessária uma abordagem regulatória mais forte, por exemplo, por meio de uma estrutura formal de EMC que esclareça as expectativas colocadas sobre os médicos da APS e os ajude a atender a essas expectativas. O Brasil pode aprender com o Reino Unido e Países Baixos, onde a EMC para médicos de APS é obrigatória e vinculada à recertificação: Os médicos de APS precisam demonstrar que participam regularmente das atividades de EMC e são submetidos à avaliação pelos pares de suas habilidades profissionais. No nível federal, a Agência para o Desenvolvimento da Atenção Primária à Saúde poderia definir tais requisitos e monitorar a conformidade dos provedores de EMC. Os municípios também poderiam usar o arranjo de contratação para pressionar ativamente os médicos de APS a cumprirem os requisitos da EMC e estimular a melhoria da qualidade. Os requisitos de EMC devem ser direcionados aos principais desafios do sistema de atenção à saúde, como a prevenção de fatores de risco para a saúde (por exemplo, obesidade) e gerenciamento de condições crônicas (incluindo diabetes).

O Brasil estabeleceu base sólida para a APS digital, desenvolvendo estratégias em vários níveis de governo e fazendo investimentos importantes em redes, dados, interoperabilidade e habilidades. Como resultado do uso de ferramentas e dados digitais pelo país para aumentar a eficiência, transparência e capacidade de resposta de suas instituições públicas às demandas dos cidadãos e das empresas, o Brasil obteve pontuação acima da média da OCDE no Índice de Governo Digital de 2019 (OCDE, 2020[29]).

A Estratégia Nacional de Saúde Digital 2020-2028 (ESD28) se baseia em mais de uma década de políticas para digitalizar a atenção à saúde e fazer melhor uso dos dados de saúde (Ministério da Saúde, 2020[30]), que datam desde a Política Nacional de Informação e Informática em Saúde de 2004 (PNIIS). As ações dentro do ESD28 se concentram em três eixos: 1) aproveitar os programas e iniciativas existentes para digitalizar a atenção à saúde no Brasil, incluindo a Rede Nacional de Dados de Saúde (RNDS) e os programas Conecte SUS e Informatização de Unidades Básicas de Saúde (Informatiza APS); 2) desenvolver as condições necessárias (i.e. organizacional, legal, regulatória) para estimular a colaboração eficaz em saúde digital; e 3) estabelecer fórum conceitual, normativo, educacional e tecnológico (espaço de colaboração) para operacionalizar a colaboração.

Um componente do programa Previne Brasil, Informatiza APS, fornece financiamento federal para ESFs que coletam e enviam dados de sistemas de registro eletrônico de saúde (RES) (Harzheim et al., 2020[31]). O programa também apoia o treinamento em TIC e análise de dados para empregados de secretarias municipais de saúde. Em 2020, o Conecte SUS realizou projeto piloto no estado de Alagoas, que forneceu financiamento adicional para digitalização para unidades de APS que não tinham conseguido digitalizar, desembolsando mais de R$ 5,5 milhões (US$ 1,07 milhão) para 97 municípios (Ministério da Saúde, 2020[32]).

O Conecte SUS também busca ampliar o uso dos sistemas de informação em saúde na APS por meio de sua estratégia e-SUS APS (também conhecido como e-SUS AB), que busca melhor gerenciar a saúde e o cuidado individual, otimizar a coleta de dados e melhorar as informações em saúde (Ministério da Saúde, 2020[33]). O departamento de informática do SUS (DATASUS) tem disponibilizado diversos aplicativos aos cidadãos, trabalhadores da linha de frente e gestores. Enquanto isso, os municípios estão oferecendo cada vez mais serviços digitais aos seus residentes, com 25% das prefeituras permitindo que os pacientes agendem consultas e consultem médico online. As startups da telemedicina estão florescendo, incluindo a Brasil Telemedicina, a qual produz cerca de 60.000 relatórios por mês e tem clientes em mais de 700 cidades brasileiras, e a Telelaudo, que forneceu mais de 4,7 milhões de relatórios de telerradiologia para mais de 450 hospitais.

Como em outros lugares, a pandemia de COVID-19 deu mais ímpeto à transformação digital da saúde no Brasil. Em 15 de abril de 2020, o governo federal autorizou o uso da telemedicina durante a pandemia de COVID-19 (Lei nº 13.989/2020) para garantir a continuidade do atendimento e proteger os profissionais de atenção à saúde. Para facilitar o acesso das unidades de APS às tecnologias digitais, o Ministério da Saúde também instituiu incentivo excepcional a ser pago aos municípios e estados para cada equipe de saúde ainda não digitalizada, orçando mais de US$ 83,8 milhões (R$ 432 milhões) para 2020. A Rede Universitária Brasileira de Telemedicina (RUTE) também criou grupo de interesse especial no COVID-19.

Não há dúvida de que o Brasil possui uma base sólida para construir uma APS digital eficaz, equitativa e eficiente. Alcançar um transformação digital bem-sucedida da APS agora depende do enfrentamento de três conjuntos de desafios interconectados: 1) digitalização de todas as unidades e equipes de APS; 2) promoção de conectividade inclusiva para todos os cidadãos brasileiros, especialmente os mais vulneráveis; e 3) estabelecimento de estrutura de governança com mandatos claros e bem financiados nos níveis certos de governo.

Embora existam bolsões de excelência, o progresso em direção ao uso eficaz de tecnologias digitais na APS tem sido lento e bastante desigual. Atualmente, 3.600 unidades de APS em todo o país não têm computadores e 7.200 não possuem acesso à Internet. Apenas 17% das unidades de APS têm velocidade de Internet acima de 10 megabytes por segundo (Mbps), limitando o uso simultâneo de sistemas RES e consultas de vídeo de alta qualidade, sem mencionar o monitoramento remoto do paciente. Além disso, cerca de 18.000 unidades de atenção à saúde (18% de todas as unidades) não dispõem de sistema de RES, com grandes diferenças regionais na adoção: em 2019, uma em cada quatro unidades de APS ainda mantinha registros clínicos e dados do paciente apenas em papel (CGI.br, 2020[34]). Somente 40% dos gestores de atenção primária consideram seus equipamentos de TIC novos e atualizados, e apenas 32% acreditam que sua conexão com a Internet atende às suas necessidades. Cerca de um terço dos enfermeiros e médicos relataram ter concluído cursos de capacitação em informática em saúde. O COVID-19 provavelmente acelerou a digitalização, mas seu verdadeiro impacto ainda não está claro.

Uma verdadeira transformação digital da APS no Brasil não acontecerá sem o estabelecimento de dois alicerces. Em primeiro lugar, o país deve garantir abastecimento de energia confiável e conectividade rápida para todas as unidades de APS, enfrentando uma das principais barreiras à digitalização relatadas pelos municípios durante o recente projeto piloto no Alagoas. Embora os programas anteriores (por exemplo, Brasil Conectado) tenham sido fundamentais na expansão da conectividade de banda larga, é crucial que essas iniciativas estabeleçam metas ambiciosas e claras para a confiabilidade e velocidade das conexões nas unidades de APS. Também é importante melhorar a cooperação entre entidades governamentais e entre os diferentes níveis de governo (federal, estadual e municipal) na implementação de iniciativas de conectividade de banda larga com base nas boas práticas nos países da OCDE ou outros.

Em segundo lugar, os pagamentos financeiros incluídos no projeto piloto Conecte SUS no Alagoas devem ser consolidados e expandidos para todo o território brasileiro. Para garantir que os recursos sejam usados para os fins a que se destinam, o recebimento do apoio financeiro deve estar vinculado à participação de autoridades municipais e estaduais em oficinas de capacitação especialmente voltadas para executivos seniores. O financiamento deve estar vinculado a metas explícitas para a adoção e uso de sistemas RES (como o e-SUS AB), incluindo a prescrição eletrônica eficaz de medicamentos e a troca de dados clínicos e administrativos entre as unidades. À medida que as unidades de APS se tornarem digitais, será vital salvaguardar a dependência operacional dos sistemas digitais, reforçando a segurança cibernética adequada.

Mesmo se o Brasil quebrasse todas as barreiras à conectividade e digitalização das unidades de APS, ainda persistiriam desigualdades significativas no uso de tecnologias e ferramentas digitais entre seus cidadãos. Quase 47 milhões de brasileiros não usavam a Internet em 2019 (mais de 20% da população). As divisões digitais estão claramente associadas às desigualdades sociais, com os brasileiros mais velhos, moradores de áreas rurais, de renda mais baixa e com menor nível de escolaridade, menos propensos a acessarem a Internet e mais propensos a usarem apenas telefones celulares. Como resultado, existe sério risco de que uma transformação digital da APS venha a agravar as divisões sociais existentes.

Uma APS digital eficaz que alcance todos os brasileiros só é possível se todos os cidadãos não apenas estiverem conectados, mas também levados em consideração na concepção de serviços de APS digitais. O Brasil deve se concentrar na eliminação das desigualdades digitais como o alicerce de uma APS digital eficaz, fortalecendo o papel dos telecentros como provedores de treinamento, especialmente em áreas rurais e remotas, e garantindo financiamento e assistência técnica apropriados em todos os níveis de governo. Dada a importância dos telefones celulares como meio de acesso à Internet, deve-se priorizar uma abordagem multicanal com foco no acesso móvel entre grupos vulneráveis. Embora o conteúdo, serviços e aplicativos digitais da APS devam atender às necessidades dos profissionais de saúde e dos pacientes, eles devem ter como alvo específico os cidadãos com baixa aceitação digital, com esforços contínuos para expandir o acesso dos pacientes às suas informações pessoais de saúde.

O governo descentralizado do Brasil cria desafios para digitalizar a APS. O único distrito federal do país, 26 estados, mais de 5.000 municípios (cerca de 44% dos quais têm menos de 10.000 habitantes) e 438 regiões de saúde têm dados demográficos, indicadores socioeconômicos e estruturas de governança altamente heterogêneos. Com apenas cerca de 800 habitantes, o município de Serra da Saudade tem as mesmas responsabilidades na gestão da digitalização da APS que o município de São Paulo, com mais de 12 milhões de habitantes. A descentralização traz muitos benefícios, mas também está criando barreiras para a transformação digital da APS no Brasil para cumprir as metas estabelecidas na ESD28.

Uma grande barreira para a APS digital no Brasil é a capacidade humana e técnica dos municípios. Definir responsabilidades pela digitalização da APS no nível municipal em todo o Brasil provavelmente está levando a perder oportunidades de gerar economias de escala e criando desafios para os pequenos municípios. O Brasil poderia buscar nos exemplos da Nova Zelândia, Inglaterra e Portugal um novo modelo de serviços compartilhados e responsabilidades relacionadas à digitalização da APS em níveis menos descentralizados. Com base nas instituições existentes (por exemplo, a Coordenação-Geral de Tecnologia da Informação e Comunicações) e experiências, o Brasil poderia explorar a criação de sistemas de compra dinâmicos no nível federal, com agências adequadamente financiadas nos âmbitos estadual ou regional, fornecendo aos municípios recursos humanos especializados, serviços de aquisição e gestão de APS digital.

O Brasil tem investido significativamente em conectividade (por exemplo, através do Governo Eletrônico - Serviço de Atendimento ao Cidadão) e software (por exemplo, e-SUS AB), bem como forneceu aos municípios suporte para hardware e treinamento (por exemplo, Informatiza APS). No entanto, a missão ambiciosa definida na ESD28 provavelmente exigirá investimentos maiores e mais inteligentes, vinculando o apoio financeiro ao uso eficaz e equitativo. Levando em consideração a magnitude dos investimentos feitos em países mais avançados digitalmente, o Brasil poderia revisar seus esforços atuais e considerar o fornecimento de mais recursos para gestão de mudanças, capacitação, monitoramento e avaliação. O apoio financeiro pode ser vinculado a marcos específicos na adoção e uso de funcionalidades digitais de APS, começando com as principais funcionalidades, como ePrescribing, gerenciamento de referências, agendamento de consultas e acesso do paciente ao RES.

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